Tomar emprestado: concordância

GRAMATICAIS. Na língua portuguesa, existem dois sistemas de concordância, o verbal e o nominal. A concordância verbal expressa, por meio da flexão das formas verbais, a relação entre o sujeito da oração e o verbo a ele relacionado; a concordância nominal expressa, por meio da flexão de nomes, a relação entre o substantivo e os termos a ele associados.

Para não cometer o erro de concordância, é preciso perceber a relação sintática entre os termos da oração. Abaixo, selecionamos um trecho de reportagem jornalística que traz um caso interessante de concordância nominal. Vejamos:

De tão misterioso o evento, parte da equipe de segurança pôde se dar ao luxo de ficar sentada do lado de fora, de pernas abertas, batendo papo e respondendo a mensagens de texto. Em dado momento, tomaram emprestado da cozinha alguns copos com água e gelo, brindando como se estivessem tomando uísque.

A primeira observação a fazer é que “tomar emprestado”, embora seja uma construção usual, não é uma expressão fixa. Em outras palavras, tomamos “algo” emprestado, sendo “algo” o núcleo substantivo a que se refere o particípio passado “emprestado”. Lembrete: o particípio passado, como os adjetivos, concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere.

No trecho acima, “emprestado” se refere ao sintagma “alguns copos com água e gelo”, cujo núcleo é o substantivo “copos”. isso quer dizer que “emprestado” deve concordar com “copos” (tomar copos emprestados). Do ponto de vista da análise sintática, “emprestado” exerce a função de predicativo do objeto.

O predicativo é um termo de natureza adjetiva, que indica uma característica momentânea ou circunstancial de um elemento. Se esse elemento exercer a função de sujeito, teremos “predicativo do sujeito” (Os copos não são meus, são emprestados); se for objeto, teremos “predicativo do objeto” (Os seguranças tomaram emprestados os copos da cozinha).

Assim, para corrigir a concordância no trecho em questão, faremos o seguinte:

De tão misterioso o evento, parte da equipe de segurança pôde se dar ao luxo de ficar sentada do lado de fora, de pernas abertas, batendo papo e respondendo a mensagens de texto. Em dado momento, tomaram emprestados da cozinha alguns copos com água e gelo, brindando como se estivessem tomando uísque.

Ordem dos termos e uma questão de gênero

GRAMATICAIS. Os trechos abaixo são partes do relato noticioso de um sequestro, publicado em um dos grandes jornais de São Paulo. Os fragmentos suscitam duas questões linguísticas interessantes, uma de concordância de gênero, outra de ordem dos termos e duplo sentido. Vejamos.

Uma mulher de 48 anos e dois homens, de 54 e 24, foram presos em flagrante por extorsão e associação criminosa. Um homem de 22 anos procurado da Justiça foi capturado na mesma ocorrência. […]

Os agentes foram informados de que uma das envolvidas estava na rua Manoel Nascimento Pinto, no Jardim Guarani (zona norte). A mulher permitiu a entrada no imóvel dos policiais, que lá encontraram dois homens.

A leitura do primeiro parágrafo nos informa que o grupo de sequestradores continha uma mulher e dois homens. No segundo, temos a construção “uma das envolvidas”, no feminino, que estaria correta no caso de haver mais de uma mulher envolvida (“as envolvidas”). 

Rigorosamente, a mulher é um dos envolvidos, pois o grupo é misto quanto ao gênero, mas isso não quer dizer que a melhor correção do trecho fosse simplesmente substituir o feminino pelo masculino. Bastaria ter dito que “a mulher” estava na rua Manoel Nascimento Pinto, sendo essa a mesma mulher que permitiu a entrada dos policiais na casa que serviu de cativeiro (ver abaixo a sugestão de reescrita).

A segunda questão a observar diz respeito à ordem dos termos, que produz ambiguidade. No texto, optou-se por dizer “permitiu a entrada no imóvel dos policiais”. Os termos “no imóvel” e “dos policiais”, em tese, poderiam estar em qualquer ordem, já que os dois estão sintaticamente ligados ao mesmo substantivo (“entrada”). Ocorre, porém, que a sequência “no imóvel dos policiais” traz outro sentido possível, o de que os policiais são os proprietários do imóvel. Evitar essa ambiguidade não era difícil, pois a simples mudança de posição desses elementos tornaria claro o texto (“entrada dos policiais no imóvel”).

É provável que a escolha dessa ordem esteja ligada ao fato de que o redator queria dar continuidade ao texto a partir do termo “policiais” (“policiais, que lá encontraram dois homens”). Ao inverter a posição, a oração adjetiva (iniciada pelo “que”) teria de ficar depois de “imóvel”, o que levaria a outras alterações para manter a coerência e a clareza do enunciado.

Uma possibilidade seria o uso da voz passiva (“entrada dos policiais no imóvel, onde foram encontrados”). Antes de “dois”, vale usar o artigo (“foram encontrados os dois homens”), pois a informação de que havia dois homens já tinha sido transmitida no parágrafo anterior (o artigo definido indica ser o elemento já conhecido do leitor).

Vejamos uma sugestão de reescrita:

Uma mulher de 48 anos e dois homens, de 54 e 24, foram presos em flagrante por extorsão e associação criminosa. Um homem de 22 anos procurado da Justiça foi capturado na mesma ocorrência. […]

Os agentes foram informados de que a mulher estava na rua Manoel Nascimento Pinto, no Jardim Guarani (zona norte). Ela permitiu a entrada dos policiais no imóvel, onde foram encontrados os dois homens.

ATENÇÃO: As imagens usadas nas publicações são meramente ilustrativas e inspiradas no conteúdo do trecho analisado.

“Sobressair” e paralelismo semântico

GRAMATICAIS. No trecho abaixo, extraído de uma notícia de jornal, temos uma questão de regência relativa ao verbo “sobressair” e uma questão de paralelismo semântico. Vejamos:

Já o desempenho das meninas se sobressai na comparação com os meninos. Elas conseguem um resultado médio de 431 pontos, “significativamente superior ao resultado médio dos meninos”, de 408 pontos.

“Sobressair” não é um verbo pronominal (não requer o “se”), tendo sido confundido provavelmente com seu sinônimo “destacar-se”, este sim pronominal. Em suma, algo se destaca (com pronome) ou algo sobressai (sem pronome), segundo a tradição da língua portuguesa.

O paralelismo é um elemento da estrutura sintático-semântica do texto. Ao estabelecer uma comparação, por exemplo, é preciso que os seus termos sejam da mesma natureza. Comparamos o desempenho das meninas com o desempenho dos meninos; não comparamos “o desempenho das meninas” com “os meninos”. Podemos, isto sim, comparar as meninas com os meninos.

No trecho em questão, no entanto, nem mesmo havia necessidade de usar a expressão “em comparação com”, pois o verbo “sobressair” rege o complemento indireto (sobressair a algo). Para assegurar o paralelismo, porém, é preciso dizer que o desempenho das meninas sobressai ao (desempenho) dos meninos.  Vejamos uma sugestão de reescrita:

Já o desempenho das meninas sobressai ao dos meninos. Elas conseguem um resultado médio de 431 pontos, “significativamente superior ao resultado médio dos meninos”, de 408 pontos.

ATENÇÃO: As imagens usadas nas publicações são meramente ilustrativas e inspiradas no conteúdo do trecho analisado.

“Muito” e “muitos”: advérbio e pronome

GRAMATICAIS. O trecho abaixo é o parágrafo de abertura de um artigo de newsletter que trata do famigerado ChatGPT. Do ponto de vista gramatical, vamos ver que houve confusão entre o advérbio “muito” (invariável) e o pronome indefinido “muito”, que se flexiona normalmente em gênero e número. Esse é o nosso tema de hoje.

Muito tem sido as discussões sobre o impacto do ChatGPT desde seu lançamento no final de 2022. Essa ferramenta nada mais é do que uma Inteligência Artificial (IA) que faz uso de um processamento de linguagem natural.

O leitor atento percebeu que faltou o acento diferencial da forma verbal “têm”, cujo sujeito está no plural (“as discussões”). É possível que o autor do texto, ao lançar mão de uma inversão sintática, tenha ficado com a sensação de que “muito” era o sujeito. Vamos tentar entender o que houve.

O que se pretendeu dizer foi que “muitas têm sido as discussões” (ou, na ordem direta, “as discussões têm sido muitas”, isto é, as discussões têm sido numerosas). “Muitas”, nesse caso, é o predicativo do sujeito “discussões”, com o qual concorda em gênero e número.

Outra possibilidade seria dizer que “muito se tem discutido o impacto do Chat GPT”. Nesse caso, “muito” seria um advérbio (discutir muito algum tema) e o sujeito da oração seria “o impacto do Chat GPT” (“o impacto do Chat GPT tem sido muito discutido”).

Basicamente, o advérbio “muito” (invariável) intensifica uma ação (discutir muito), um atributo (muito inteligentes) ou um modo de ação (muito provavelmente), ao passo que o pronome indefinido “muito” (que sofre as flexões de gênero e número) indica quantidade grande, porém inexata.

Temos, portanto, duas sugestões para corrigir o fragmento:

 Muitas têm sido as discussões sobre o impacto do ChatGPT desde seu lançamento no final de 2022. Essa ferramenta nada mais é do que uma Inteligência Artificial (IA) que faz uso de um processamento de linguagem natural.

Muito se tem discutido o impacto do ChatGPT desde seu lançamento no final de 2022. Essa ferramenta nada mais é do que uma Inteligência Artificial (IA) que faz uso de um processamento de linguagem natural.

ATENÇÃO: As imagens usadas nas publicações são meramente ilustrativas e inspiradas no conteúdo do trecho analisado.

“Precisa fazer” ou “É preciso fazer?

GRAMATICAIS. Nos dois pequenos parágrafos abaixo, extraídos de um texto jornalístico, é possível perceber vários pequenos problemas gramaticais. No título desta publicação, foi destacado um deles, que diz respeito a um uso informal do verbo “precisar”. Vamos, no entanto, começar por outra questão, a da duplicação. Você sabe o que é isso?

A duplicação é um tipo de construção sintática em que o uso de dois termos atrelados a um mesmo referente faz parecer que há dois referentes. Quando o nosso conhecimento do assunto nos permite saber que os dois termos remetem ao mesmo referente, conseguimos entender a mensagem, mas, ainda assim, a construção provoca certa estranheza.

No fragmento abaixo, os termos “Bolsonaro” e “ex-presidente” aparentam ter cada um o seu referente, como se fossem duas pessoas, não uma só. O leitor só entende que se trata da mesma pessoa (um só referente) porque já conhece os fatos. Vejamos:

Sob essa perspectiva, a punição de Bolsonaro teria início em 1º de janeiro de 2023, tornando o ex-presidente inelegível em duas eleições municipais e duas gerais, podendo se eleger apenas a partir de 2032.

Para que isso ocorra, no entanto, precisaria que a legislação eleitoral sofra alterações nos próximos sete anos.

Tal estrutura, se usada em um texto mais complexo, certamente traria dificuldade de compreensão. Para evitá-la, bastaria usar um pronome no lugar de “ex-presidente” (“tornando-o inelegível”). Seria possível usar “ex-presidente” como forma de retomar “Bolsonaro”, mas não no mesmo período. Em outro período, aí sim, é possível fazer a segunda menção por meio de outro elemento (veja a seguir, na versão reescrita).

Também se deve evitar a sequência de gerúndios subordinados (“tornando o ex-presidente inelegível…, podendo se eleger”). Note que cada um desses gerúndios se refere a um elemento diferente (“tornando” se refere a “punição”/ “podendo” se refere a “eleger-se”). Não há problema em criar uma sequência de gerúndios coordenados (como ocorre na conhecida letra de música “Caminhando e cantando e seguindo a canção”), portanto é importante saber a diferença entre os dois processos de organização de ideias, a coordenaçao (as ideias têm o mesmo valor) e a subordinação (as ideias estão hierarquizadas). De todo modo, o ideal é explicitar as relações entre as ideias por meio de conjunções.

No segundo parágrafo da sequência transcrita, temos o uso informal do verbo “precisar” (“precisaria que” sem sujeito). Nesse caso, não havendo sujeito (alguém que precisasse de algo), o ideal seria usar a estrutura “é preciso que” (ou “seria preciso que”), na qual o sujeito de “ser preciso” é a oração iniciada pela conjunção “que” (“é preciso que a legislação eleitoral sofra alterações”).

A escolha entre “é preciso” e “seria preciso”, naturalmente, não é aleatória. É necessário estabelecer correlação entre os tempos verbais das orações do período (“seria preciso que a legislação eleitoral sofresse”, “é preciso que a legislação eleitoral sofra”).

Veja, abaixo, uma sugestão de reescrita, na qual se eliminaram a duplicação, a sequência de gerúndios subordinados e o emprego informal do verbo “precisar”: 

Dessa perspectiva, a punição de Bolsonaro teria início em 1º de janeiro de 2023, tornando-o inelegível em duas eleições municipais e em duas gerais. O ex-presidente poderia eleger-se apenas a partir de 2032.

Para que isso ocorra, no entanto, é preciso que a legislação eleitoral sofra alterações nos próximos sete anos.

ATENÇÃO: As imagens usadas nas publicações são meramente ilustrativas e inspiradas no conteúdo do trecho analisado.

“Fluido” e “fluído”

GRAMATICAIS. Publicado num site de empregos, o anúncio de vaga para revisor de texto poderia servir de teste aos candidatos. Vejamos.

Garantir além de uma revisão gramatical, uma leitura fluída e de fácil compreensão aos leitores; Saber trabalhar sobre pressão, ser resiliente.

De início, suprimiu-se uma das vírgulas que separam o sintagma “além de uma revisão gramatical” do restante da oração; em seguida, usou-se a forma de particípio do verbo “fluir” no lugar do adjetivo “fluido”; depois, empregou-se a preposição “a” onde se esperava “por”; finalmente, a preposição “sobre” apareceu no lugar de “sob”. Vamos entender cada um dos problemas.

É fácil checar se um trecho está intercalado numa sequência e, portanto, requer duas vírgulas (uma no início, a outra no final). Basta retirá-lo e testar a leitura: “Garantir uma leitura fluida e de fácil compreensão” (lê-se o texto diretamente, sem intercalação). O elemento intercalado (no caso, “além da revisão gramatical”) pode ser retirado ou deslocado.

Fluido ou fluído? Quando dizemos, por exemplo, que o líquido tinha fluído, empregamos o particípio de “fluir”, forma que recebe acento gráfico no hiato “uí”. O adjetivo “fluido”, porém, tem outra pronúncia – em vez de hiato, ditongo, portanto sem acento gráfico. “Fluido” (adjetivo e substantivo) tem o acento tônico (não gráfico) no “u” (é a mesma pronúncia de “gratuito”, “intuito”, “circuito” etc.).   

“E as preposições? “Leitura de fácil compreensão aos leitores” não foi a melhor solução. A preposição “a”, em geral, introduz um complemento (sentido passivo). Como “os leitores” têm sentido ativo em relação à ideia de compreender, uma preposição mais adequada seria o “por” (de fácil compreensão pelos leitores).

A última exigência do empregador que publicou o anúncio é que o revisor seja capaz de trabalhar sob pressão, não sobre pressão, certo?  A “resiliência” requerida da pessoa é, no contexto, exatamente essa capacidade de se adaptar a ambientes e a situações de tensão, donde imaginamos que o profissional vá trabalhar sob (embaixo de) pressão, não sobre (acima de) pressão, o que nem mesmo nos parece possível (!).

O trecho poderia ter sido escrito assim:

Garantir, além da revisão gramatical, uma leitura fluida e de fácil compreensão pelos leitores; Saber trabalhar sob pressão, ser resiliente.

“Grassar” e “ser crasso”

GRAMATICAIS. No trecho destacado hoje, o adjetivo “crassa” parece estar no lugar da forma do verbo “grassar”. Vejamos.

Desinformação é, quase sempre, aquilo do qual discordo. A desinformação é um mercado selvagem de conteúdo. Mesmo em catástrofes como um terremoto ou uma enchente — como a recente no itoral norte de São Paulo—, a desinformação crassa.

Ainda que se pudesse atribuir aspecto grosseiro ou tosco à desinformação, justificando-se a construção “desinformação crassa” ou “crassa desinformação”, não parece ter sido essa a intenção do autor, pois, se assim fosse, a oração ficaria truncada, sem um verbo.  

O verbo “grassar” quer dizer “espalhar-se”, “propagar-se”, “difundir-se”, sentidos que se coadunam com aquilo que vem sendo dito no texto. O correto, portanto, ao que tudo indica, seria “a desinformação grassa”. 

O escritor opta pela sequência “aquilo do qual”, que, embora não nos pareça incorreta, não soa tão bem quanto “aquilo de que”. As formas “o qual”, “a qual”, “os quais” e “as quais” (pronomes relativos) são “obrigatórias” quando antecedidas de preposições de duas ou mais sílabas. Também costumam ser usadas para evitar ambiguidades. 

De resto, a leitura da sequência “enchente – como a recente” incomoda pelo eco. “Eco” é o nome dado na gramática a termos que inadvertidamente criam rimas no texto em prosa. Imagine uma frase como “Vicente sente dor de dente”. Em geral, os redatores evitam esse tipo de construção. 

O parágrafo em questão poderia ter sido escrito assim:

Desinformação é, quase sempre, aquilo de que discordo. A desinformação é um mercado selvagem de conteúdo. Mesmo em catástrofes como um terremoto ou uma enchente — como a última ocorrida no litoral norte de São Paulo—, a desinformação grassa.

“Esvair-se” e posição do pronome átono

GRAMATICAIS. No fragmento que analisamos hoje, um articulista falava sobre os célebres encontros “às cegas”, que, segundo ele, não estão sujeitos ao fracasso quando os envolvidos estabelecem “conexão legítima” antes do primeiro cara a cara. O que nos interessa aqui é o verbo empregado, “esvair-se”, ou seja, “dissipar-se”. Vejamos.

Conhecer e receber alguém romanticamente, sem que haja contato visual, até pode embutir um risco de fracasso, mas que, seguramente, esvaia-se muito com o nível de conexão legítima que se estabeleça antes do cara a cara.

Como está usado em oposição a “pode embutir” (presente do indicativo), “esvair” deveria estar também conjugado nesse tempo (pode embutir um risco, que se esvai). Além do tempo verbal, é preciso observar mais duas coisas: uma delas é a posição do pronome átono (“se”) e a outra é a posição do pronome relativo “que”, de “mas que”. 

Tanto o pronome relativo (“que”) como o advérbio (“seguramente”) são fatores de próclise. Mesmo estando o advérbio entre vírgulas (não obrigatórias), o “que” continua atraindo o pronome átono (“que, seguramente, se esvai” ou “que seguramente se esvai”).

O outro problema diz respeito à clareza. O pronome relativo “que” se refere a “risco de fracasso” (é o risco de fracasso que se esvai, certo?), portanto o ideal é que estivesse imediatamente depois de “risco de fracasso”. Como fazer isso e, ao mesmo tempo, usar a conjunção adversativa “mas”? Com a adversativa “mas”, de fato, é impossível, mas com as outras conjunções do mesmo tipo isso é perfeitamente viável. Veja a sugestão abaixo:

Conhecer e receber alguém romanticamente, sem que haja contato visual, até pode embutir um risco de fracasso, que, no entanto, seguramente se esvai com o nível de conexão legítima que se estabeleça antes do cara a cara.

“Sob” e “sobre”

GRAMATICAIS. O trecho abaixo, extraído do noticiário, refere-se, como se pode perceber, ao dia da posse do presidente Lula. A reportagem descrevia os ‘memes’ mais divertidos das redes sociais na ocasião, entre os quais alguns que faziam graça com a altura do senador Rodrigo Pacheco, que se destacava entre os demais. O redator, entretanto, deu uma escorregadela no português ao dizer que o senador caminhava “sob” um tapete vermelho.

Quem também não foi perdoado foi o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que recebeu os quatro na chegada ao Congresso, após o desfile. Na caminhada sob um tapete vermelho, chamou a atenção a altura do senador ao lado de Lula.

Como sabemos, “sob” quer dizer “embaixo de” e “sobre”, este sim, quer dizer “em cima de”. Difícil imaginar alguém que caminhasse embaixo de um tapete vermelho, não? Há outros empregos desse par de preposições (sob nova direção, sob medida, falar sobre um tema etc.), mas, na descrição de posição física, a distinção é muito simples. Basta não confundir uma coisa com outra. Assim:

Quem também não foi perdoado foi o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que recebeu os quatro na chegada ao Congresso, após o desfile. Na caminhada sobre um tapete vermelho, chamou a atenção a altura do senador ao lado de Lula.

“Diferir” e “embalsamamento”

GRAMATICAIS. De uma das muitas notícias relativas ao falecimento de Pelé, extraímos o texto de nossa análise de hoje. O tema específico era o processo de conservação de cadáveres conhecido como tanatopraxia. Vejamos:

A finalidade do procedimento é que o difere do embalsamento. Neto explica que ambos têm conceitos parecidos, mas a tanatopraxia não exige a retirada de todos os órgãos da pessoa morta, algo que ocorre no embalsamento. 

Em toda a reportagem, o jornalista usou o termo “embalsamento” no lugar de “embalsamamento”. Atenção: os dois termos existem e cada qual tem seu significado. “Embalsamamento” é a ação de “embalsamar”, isto é, tratar o cadáver com substâncias que o preservem da decomposição. Naturalmente, o termo vem de “bálsamo”.

“Embalsamento”, por sua vez, é a ação de transvasar o vinho para a balsa (ou dorna), sendo “balsa” um recipiente de boca larga onde se deixa fermentar o mosto (sumo de uvas frescas). “Embalsar” também pode ser o ato de formar uma balsa (agora no sentido de “jangada”) ou ainda a ação de meter-se em uma balsa (transporte flutuante). Como se vê, “embalsamento” nada tem que ver com tanatopraxia (“tanato”, em grego, quer dizer “morte”).

Quanto ao verbo “diferir”, o problema não é a grafia nem mesmo o significado, mas o regime. Embora seja um aparente sinônimo de “diferenciar”, emprega-se em construção diversa. Podemos dizer que determinado traço ou aspecto diferencia uma coisa de outra, mas não diremos que “difere uma coisa de outra”, pois “diferir” é “ser diferente”. Diremos, então, que “uma coisa difere de outra”. Percebeu a diferença? Compare as frases:

(i) Esta técnica difere da outra apenas em um aspecto. [é diferente]

(ii) Esta técnica se diferencia da outra apenas em um aspecto. [torna-se diferente]

(iii) O que diferencia uma técnica da outra é este aspecto. [torna diferente]

(iv) É este o aspecto em que uma técnica difere da outra. [é diferente]

(v) Suas ideias diferem. [são diferentes]

(vi) As assinaturas diferem muito entre si (ou uma da outra). [são muito diferentes]

Portanto, corrigido, o trecho ficaria assim:

A finalidade do procedimento é que o diferencia do embalsamamento. Neto explica que ambos têm conceitos parecidos, mas a tanatopraxia não exige a retirada de todos os órgãos da pessoa morta, algo que ocorre no embalsamamento.