DEU NA MÍDIA | GRAMATICAIS. Foi notícia recentemente o modo como a administração de um conhecido hipermercado lidou com a morte repentina de uma pessoa nas suas dependências. Abriram-se guarda-sóis sobre o corpo, na tentativa de ocultá-lo dos clientes que faziam compras.
Muito bem. O assunto veio parar aqui porque os jornalistas hesitaram na hora de fazer o plural de “guarda-sol” no título “Após morte de representante de vendas, hipermercado cobre corpo com guarda-sóis e continua aberto”. “Guarda-sóis” ou “guardas-sóis”?
Grosso modo, na hora de pluralizar um substantivo composto, cada elemento deve ser analisado separadamente. O termo que admite flexão varia, o que não admite não varia. Veja o caso de dois nomes de flores: “amor-perfeito” e “sempre-viva”. O plural de “amor-perfeito” é “amores-perfeitos” (tanto “amor” quanto “perfeito” admitem a flexão), mas o plural de “sempre-viva” é “sempre-vivas” (“sempre”, como advérbio, não admite flexão).
Há casos em que, sendo o composto formado por dois substantivos, só o primeiro varia. Isso ocorre, em geral, quando o segundo especifica o primeiro ou a ele atribui finalidade (salário-família/ salários-família).
Os termos iniciados por “guarda” oferecem dúvida porque essa palavra pode ser uma forma verbal (invariável quanto a plural) ou um substantivo (variável: um guarda, dois guardas). No caso de “guarda-sol”, o que temos é a forma verbal (aquilo que guarda, que protege, do sol), portanto o plural é “guarda-sóis”. Um termo como “guarda-noturno” faria o plural “guardas-noturnos”, pois “guarda” é um substantivo (o indivíduo). É por isso que o plural de “guarda-roupa” é “guarda-roupas” e o de “guarda-civil” é “guardas-civis”.
Há muitos substantivos compostos cujo elemento inicial é uma forma verbal. Vale ficar atento a esses casos, pois as formas verbais não admitem a pluralização. É esse o caso de “corta-jaca” (plural “corta-jacas”), o nome de uma dança individual de movimentos rápidos dos pés, que nos remete ao maxixe “Gaúcho”, de Chiquinha Gonzaga, assim apelidado.
Existe um vídeo muito bacana em que a cantora Lysia Condé interpreta a canção. Se quiser, ouça aqui, mas não deixe de continuar a leitura depois dele. A letra da música está no final.
Agora você pode estar pensando em alguns termos, como porta-retratos, porta-luvas, saca-rolhas, pega-panelas ou para-raios, que sempre têm o segundo elemento no plural. Essas palavras têm a mesma forma no singular e no plural, sendo a distinção feita pelo artigo que as antecede. Por exemplo: Você tem um saca-rolhas? Com os saca-rolhas modernos, ninguém faz força para abrir uma garrafa de vinho.
O substantivo “caça-níquel”, por sua vez, tem uma curiosidade. Seu plural é caça-níqueis, sim, mas essa forma também se usa no singular. É correto dizer, por exemplo, que havia um caça-níquel escondido nos fundos do bar, mas também seria certo dizer que havia um caça-níqueis escondido no fundo do bar. O composto “corta-fogo”, que costuma aparecer em “porta corta-fogo”, não tem plural — como vemos, tem valor de adjetivo.
As palavras “mandachuva”, “girassol” e “paraquedas” hoje se escrevem dessa forma, sem hífen, mas seus elementos iniciais também são formas verbais (no passado, existiram as formas “manda-chuva”, “gira-sol” e “para-quedas”). Com o tempo, os falantes da língua vão deixando de perceber os elementos constitutivos das palavras, e a tendência, nesses casos, é que haja a junção dos termos. O plural de “mandachuva” é “mandachuvas”, o de “girassol” é “girassóis” e “paraquedas” tem forma única no singular e no plural (um paraquedas, dois paraquedas).
Agora a letra do “Corta-Jaca”, de Chiquinha Gonzaga:
Neste mundo de misérias/ Quem impera/ É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca/ Nos requebros/ De suprema, perfeição, perfeição/
Ai, ai, como é bom dançar, ai!/ Corta-jaca assim, assim, assim/ Mexe com o pé!
Ai, ai, tem feitiço tem, ai!/ Corta meu benzinho assim, assim!/
Esta dança é buliçosa/ Tão dengosa /Que todos querem dançar/
Não há ricas baronesas/ Nem marquesas/ Que não saibam requebrar, requebrar/
Este passo tem feitiço/ Tal ouriço/ Faz qualquer homem coió/ Não há velho carrancudo
Nem sisudo/ Que não caia em trololó, trololó/ Quem me vir…