Tempo verbal: aeronave voava ou voaria?

GRAMATICAIS. Uma recente notícia de jornal trazia um breve histórico de acidentes aéreos. Em determinado ponto, o redator afirmava o seguinte: “[…] um avião China Southern 737-300, que voava de Guangzhou a Guilin, caiu na aterrissagem […]”. Até aí, tudo bem, mas, logo em seguida, talvez aproveitando a mesma estrutura redacional, escreveu isto: “Em 1994, um Tupolev Tu-154 da China Northwest Airlines voava de Xian para Guangzhou, mas caiu logo após a decolagem”.

Será que o tempo verbal que valia para uma aeronave que caiu na aterrissagem também vale para aquela que caiu “logo após a decolagem”?  Vejamos. Daquela que caiu em momento próximo ao pouso é correto afirmar que voava de um ponto a outro, mas da aeronave que caiu assim que decolou pode-se dizer que mal chegou a iniciar o trajeto.

O que está em jogo nesse caso é o emprego dos tempos verbais. O pretérito imperfeito (“voava”), além de situar a ação no passado, dá a ela um aspecto durativo, de ação contínua que se desenrola até o momento de uma interrupção. Por exemplo: Ela tocava uma linda melodia no piano quando alguém bateu na porta. A ação contínua de tocar uma melodia é interrompida por outra ação (a de bater na porta). É por isso que a forma “voava” está corretamente empregada na primeira frase: um avião, que voava de Guangzhou a Guilin, caiu na aterrissagem. Nesse caso, a queda interrompeu o voo.

O pretérito imperfeito também é o tempo verbal usado para informar algo que se fazia com frequência em um tempo passado. Por exemplo: Naquela época, ele praticava jiu-jítsu. Como se vê, o imperfeito descreve uma ação não terminada, o que, de saída, o distingue do pretérito perfeito, que é o tempo das ações completas (ele fez, ela disse, o avião caiu etc.).

Se o avião que caiu pouco depois da decolagem não estava, de fato, voando de Xian para Guangzhou, porque, embora tenha dado início ao trajeto, a ação não chegou a se estabelecer de modo contínuo, qual é o tempo verbal adequado?

O ideal seria o emprego do futuro do pretérito, que indica uma ação que se dará no futuro a depender de alguma condição (se não caísse na decolagem, o avião voaria de uma cidade a outra). Vejamos: Em 1994, um Tupolev Tu-154 da China Northwest Airlines voaria de Xian para Guangzhou, mas caiu logo após a decolagem.

É certo que há outras formas de refazer a frase, mas aqui optei por manter a estrutura original da formulação, mostrando uma sutileza semântica relacionada aos tempos verbais. O emprego dos tempos em português é um tema vasto porque há uma série de nuances de significado embutidas em cada um deles. Voltaremos ao assunto, portanto.

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

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