GRAMATICAIS. O fragmento abaixo saiu do noticiário recente, portanto é bem provável que o leitor não encontre dificuldade em compreendê-lo. Daqui a alguns anos, no entanto, o historiador que se debruçar sobre o jornal para estudar os acontecimentos talvez interprete o texto de outra forma. Vejamos.
No dia 9 de março, Givaldo foi flagrado fazendo sexo com a mulher do personal trainer Eduardo Alves dentro de um carro estacionado numa rua em Planaltina, no Distrito Federal. Apanhou do marido.
Sabemos que Givaldo, o sem-teto flagrado em ato sexual com uma mulher dentro de um carro, apanhou do personal trainer, marido dessa mulher, mas, caso não tivéssemos a informação pregressa e, portanto, dependêssemos desse texto para entender o que se passou, estaríamos a pensar que Givaldo apanhou do próprio marido. Como assim?
É que o artigo que antecede os termos que indicam graus de parentesco substitui o pronome possessivo relativo ao seu antecedente imediato. Vejamos alguns exemplos: Maria e o marido jantarão conosco, Rosa e o filho se salvaram, A herança beneficiou Júlia e o sobrinho. Não é preciso usar o pronome possessivo (“seu”) para indicar que se trata do marido de Maria, do filho de Rosa e do sobrinho de Júlia, certo?
Em casos como esses, embora não seja uma incorreção, o uso do possessivo é considerado uma redundância. Não se diz, por desnecessário, Maria e o seu marido jantarão conosco, A mulher e o seu filho se salvaram, A herança beneficiou Júlia e o seu sobrinho.
Isso ocorre porque esses termos são relacionais, ou seja, eles se definem em relação um ao outro. Ninguém é “pai” se não tiver um “filho”; o “filho”, por sua vez, só o é em relação ao próprio “pai”. É por isso que não há necessidade de dizer “Maria e seu marido”.
Se o termo “marido” tivesse outro referencial que não Maria, aí sim, seria necessário explicitar isso: “Maria e o marido da irmã jantarão conosco” – como agora não se trata do marido de Maria, a especificação é necessária; “irmã”, por sua vez, não requer especificação, pois se refere à própria Maria.
Voltando ao fragmento inicial, temos o seguinte: “Givaldo foi flagrado fazendo sexo com a mulher do personal trainer […]. Apanhou do marido”. De quem é o marido, que aparece sem especificação? Só pode ser de Givaldo…
Imaginemos que a frase fosse esta: “Givaldo foi flagrado fazendo sexo com a mulher dentro de um carro”. Entenderíamos que Givaldo estava no carro com a própria esposa, certo? É exatamente a mesma situação de “Givaldo […] apanhou do marido” (apanhou do próprio marido). Basta lembrar quantas vezes (infelizmente) já ouvimos frases como Fulana apanhou do marido e entendemos que essa mulher foi vítima do próprio marido.
Para ajustar o texto em questão, bastaria especificar o termo “marido”: Apanhou do marido dela. Dessa forma, o sentido pretendido estaria preservado.