“Suficiente” e “o suficiente”

GRAMATICAIS. O trecho que examinamos hoje, extraído de matéria jornalística, levanta uma dúvida gramatical: afinal, existe diferença entre “suficiente” e “o suficiente” ou o uso de um ou outro é facultativo? Vejamos o fragmento:

A distribuição dos candidatos por sala é de responsabilidade do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), que havia assegurado ter espaços o suficiente para que todos os 5,7 milhões de inscritos fizessem a prova com segurança. 

Tendemos a observar primeiro a semelhança entre as expressões, que nos chega pelo seu significado. A diferença, como veremos, está ligada à sintaxe, sendo, portanto, algo mais abstrato.

“Suficiente” é um adjetivo com o qual caracterizamos aquilo que, em determinada circunstância, basta. Sendo um adjetivo, liga-se a um substantivo e com ele concorda em número (singular ou plural): não há tempo suficiente para fazer isso, há cadeiras suficientes para todos etc.   

Havendo um artigo antes do adjetivo “suficiente”, este é substantivado, o que ocorre em construções do tipo “Ganhava o suficiente para viver” ou “Tinha mais que o suficiente para as despesas”, nas quais “o suficiente” (substantivo) é núcleo do objeto direto. Em construções com o verbo “ser”, na função de predicativo, podem aparecer tanto o adjetivo “suficiente” como sua forma substantivada (“o suficiente”). Assim: “Talvez isso não seja suficiente” e “Talvez isso não seja o suficiente”.

Há situações, porém, em que “o suficiente” tem valor adverbial, o que significa, na prática, que equivale ao advérbio “suficientemente”. Como sabemos, é próprio dos advérbios modificar verbos, adjetivos ou outros advérbios, mas não substantivos. Começamos, então, a perceber por que “o suficiente” não se liga a substantivos.

Geralmente essa estrutura integra construções consecutivas (que exprimem consequência). Dizemos, por exemplo, que as cores eram vivas o suficiente para chamar a atenção a longa distância ou que a pessoa chegou cedo o suficiente para pegar o melhor lugar. Em ambos os casos, “o suficiente” tem o mesmo valor de “suficientemente”: as cores eram suficientemente vivas, a pessoa chegou suficientemente cedo. “Vivas” é adjetivo, “cedo” é advérbio. A palavra “espaços”, que aparece no fragmento selecionado, é um substantivo, daí o equívoco da escolha.

É por isso que é importante conhecer a sintaxe da língua. Comparemos estas duas construções:

  • O governante eleito terá coragem suficiente para mudar o rumo da política?
  • O governante eleito será corajoso o suficiente para mudar o rumo da política?

“Coragem suficiente”, pois “coragem” é substantivo; “corajoso o suficiente”, pois “corajoso” é adjetivo. É simples, não? Agora fica fácil corrigir o fragmento selecionado. Assim:

A distribuição dos candidatos por sala é de responsabilidade do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), que havia assegurado ter espaços suficientes para que todos os 5,7 milhões de inscritos fizessem a prova com segurança.

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

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