Paraelismo sintático

PARA ALÉM DA GRAMÁTICA. O trecho que vamos analisar hoje foi extraído de um site de notícias muito popular. Convém observar que o redator aparentemente ignora o que seja o paralelismo sintático. Diga-se de passagem, esse tema, embora seja muito importante, nem sempre aparece nas aulas de português. O paralelismo é uma das formas de assegurar a fluidez do texto. Seu uso releva capacidade de organização do pensamento. Vejamos como escreveu o nosso redator:

O presidente da fundação disse que existe um procedimento para a entrada em áreas como o Vale do Javari. Segundo ele, o objetivo é evitar que indígenas percebam a presença de outras pessoas como uma ameaça, a disseminação de doenças, e para garantir a segurança de quem participa das expedições.

Note que o verbo “evitar” tem dois complementos de estruturas sintáticas diferentes (1. que indígenas percebam a presença de outras pessoas como uma ameaça; 2. a disseminação de doenças). O primeiro deles é uma longa oração e o segundo um substantivo seguido de complemento. De acordo com o princípio do paralelismo, os dois complementos devem ter o mesmo tipo de estrutura (ou duas orações, ou dois substantivos).

Outra falha de paralelismo está no uso de “e para”. A conjunção “e” deveria ligar os dois complementos de “evitar”; a preposição “para”, por sua vez, não tem função, uma vez que “garantir” está em paralelo com “evitar” (o objetivo é evitar “x” e “y” e garantir “z”). A sequência de elementos ligados por “e” que resulta dessa reformulação não é recomendável, mas, para isso também há solução. Vejamos duas propostas (entre outras possíveis):

Segundo ele, o objetivo é, por um lado, evitar que indígenas percebam a presença de outras pessoas como uma ameaça e que haja disseminação de doenças e, por outro, garantir a segurança de quem participa das expedições.

Segundo ele, o objetivo é não só evitar que indígenas percebam a presença de outras pessoas como uma ameaça e que haja disseminação de doenças como também garantir a segurança de quem participa das expedições.

Note que as expressões “por um lado” e “por outro” ajudam a organizar a sequência, explicitando a divisão entre as ideias. O mesmo efeito é obtido pela estrutura correlativa “não só… como também”. O acréscimo de “que haja”, embora não acrescente informação, transforma o segundo complemento de “evitar” em uma oração, criando paralelismo (“evitar que ‘x’ e que ‘y’).

Algumas pessoas preferirão pluralizar o termo objetivo (os objetivos são evitar ‘x’ e garantir ‘y’), mas isso não é necessário, pois as duas ações, em conjunto, podem constituir o objetivo do procedimento.

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

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