PARA ALÉM DA GRAMÁTICA. O termo “solecismo” é usado na gramática tradicional para nomear falhas de sintaxe. Entre estas é razoavelmente comum nos textos da imprensa aquela em que um aposto recuado faz referência não ao termo subsequente a ele, mas a um complemento desse termo. Para a questão ficar mais clara, lancemos mão de um caso concreto.
É perfeitamente construído um período como este: “Maior escritor da língua portuguesa, Luiz Vaz de Camões recebe homenagens na data de sua morte”, no qual “maior escritor da língua portuguesa” é um aposto recuado de Luís Vaz de Camões. Note-se que o aposto faz referência ao sujeito da oração, representado pelo nome do escritor.
O solecismo a que ora nos referimos aparece em uma construção como esta: “Maior escritor da língua portuguesa, a principal obra de Luiz Vaz de Camões receberá uma nova edição”. Está claro que o aposto não se refere ao núcleo do sujeito (“obra”), mas ao seu adjunto adnominal (“de Luiz Vaz de Camões”). Esse solavanco sintático constitui um defeito de construção.
Observe o trecho abaixo, extraído de uma importante publicação jornalística, na qual se noticiava a morte do ex-premiê japonês Shinzo Abe:
Uma das figuras políticas mais influentes do país, a trajetória de Abe esteve inteiramente ligada ao LDP. Seu avô Nobusuke Kishi, que também foi premiê, ajudou a fundar o partido. Já seu pai, Shintaro Abe, foi chanceler. Abe, mesmo aposentado da arena política, continuou liderando a ala mais influente da legenda.
Como se vê, o aposto recuado “uma das figuras políticas mais influentes do país” não se refere ao termo subsequente a ele (“trajetória”), mas ao seu adjunto adnominal (“de Abe”). Para corrigir o problema, é possível inverter a posição do aposto, que deixaria de ser recuado, ou modificar o sujeito da oração principal. Vejamos:
A trajetória de Abe, uma das figuras políticas mais influentes do país, esteve inteiramente ligada ao LDP.
Uma das figuras políticas mais influentes do país, Abe teve sua trajetória inteiramente ligada ao LDP.