“Si mesmo” e “ele mesmo”

GRAMATICAIS. No registro médio-formal do português, empregado na imprensa e em boa parte dos trabalhos acadêmicos, é comum a hesitação entre as construções “ele mesmo” e “si mesmo”, sendo a primeira, pelo menos aparentemente, mais comum que a segunda.

Vejamos um caso de articulista de jornal que faz uso das duas estruturas em construções similares, uma no título, a outra no parágrafo inicial: 

Bolsonaro perde para si próprio

Tudo pode acontecer até outubro, mas, se a eleição fosse hoje, Jair Bolsonaro estaria frito. Hoje, perde para ele mesmo

“Próprio” e “mesmo” são sinônimos no contexto. Trata-se de dois pronomes demonstrativos reforçativos. Tais pronomes são permutáveis no mesmo contexto, mas “ele” e “si” têm empregos diferentes. 

“Ele” pode ser um pronome pessoal do caso reto, portanto uma forma apta a exercer a função de sujeito de uma oração (“Ele mesmo entregou a carta”), ou um pronome pessoal oblíquo tônico, caso em que se faz anteceder de uma preposição (com ele, para ele, dele, a ele, por ele etc.). 

O pronome “si”, por sua vez, é pessoal oblíquo tônico, mas, no português do Brasil, é sempre reflexivo. Isso quer dizer que reflete o sujeito da oração (em “Bolsonaro perde para si mesmo”, “si” se refere ao sujeito da oração, ou seja, “Bolsonaro”). 

Temos, portanto, uma distinção básica. Comparem-se as construções abaixo: 

(a) Ele mesmo escreveu a carta. [ele – sujeito] 

(b) Ele escreveu uma carta para si mesmo. [si – objeto reflexivo]

No fragmento em questão, o título estava correto, mas a construção usada no texto deveria ter seguido a mesma estrutura, com pronome reflexivo. Assim:

Tudo pode acontecer até outubro, mas, se a eleição fosse hoje, Jair Bolsonaro estaria frito. Hoje, perde para si mesmo

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

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