“Aplicar”: portinglês?

GRAMATICAIS. Uma boa tradução requer conhecimento das duas línguas em questão e sensibilidade para estabelecer correspondências coerentes. O que se vê, sobretudo na imprensa, são traduções apressadas, feitas com base em uma vaga semelhança superficial entre os termos. Não é difícil que se deixe enganar pelos “falsos cognatos” do inglês. Vejamos este fragmento, publicado recentemente:

Natural de São Paulo, mas morando em Palhoça (SC), a 22 km de Florianópolis, o operador de logística então decidiu aplicar por responder aos requisitos e pela empresa ter sede na Grande Florianópolis, próximo à cidade onde reside.

O site noticiava o caso de um homem que foi alvo de galhofa feita por recrutadora de RH em razão de estar ele procurando emprego aos 45 anos de idade. Segundo ela, ele não teria chance por estar muito velho. No trecho em questão, chama a atenção o uso inapropriado do verbo “aplicar”, talvez por influência do inglês “apply for”, que é um phrasal verb, ou seja, uma unidade semântica formada de verbo seguido de partícula (preposição ou advérbio). 

O erro reside em traduzir “apply” (aplicar) sem considerar a preposição (“for”), que lhe dará um novo significado. “Apply for” traduz-se por “candidatar-se” ou eventuais sinônimos. No caso em questão, o rapaz decidiu candidatar-se à vaga e o fez por dois motivos: por responder aos requisitos e por ter a empresa sede na Grande Florianópolis, perto da cidade onde ele vive.  

A construção “pela empresa ter sede” não condiz com a norma-padrão do português, pois “pela”, a contração da preposição “por” com o artigo “a”, só se usa quando a preposição rege apenas o nome antecedido pelo artigo (por exemplo, “atendido pela funcionária”).

No caso da construção usada no trecho em questão, a preposição “por” não rege apenas o termo “empresa” (“a empresa”); rege, isto sim, a oração “a empresa ter sede” (oração infinitiva, aquela cujo verbo permanece no infinitivo). Nesse tipo de estrutura sintática, a preposição não se contrai com o artigo. Para evitar a sequência “por a empresa ter sede”, invertemos a ordem das palavras: “por ter a empresa sede”. Quem considerar essa opção muito formal poderá optar por outras transformações (desenvolvimento da oração, nominalização etc.). Nossa língua é pródiga em recursos, que nos permitem expressar com clareza as nossas ideias.

Finalmente, é correto usar a locução “próximo a”, mas convenhamos que nossos ouvidos a rejeitam quando associada a termo feminino (“Grande Florianópolis, próximo à cidade”). Isso não acontece por acaso. O fato é que os adjetivos “próximo”, “próxima”, “próximos” e “próximas” permanecem normalmente em uso, concordando com os substantivos a que se referem. Nem tudo o que é “certo” soa bem, e soar bem também é importante no processo comunicativo. Há opções que tornam o texto mais fluente. Vejamos uma delas:

Natural de São Paulo, mas morando em Palhoça (SC), a 22 km de Florianópolis, o operador de logística então decidiu candidatar-se por responder aos requisitos e por ter a empresa sede na Grande Florianópolis, perto da cidade onde reside.

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

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