Palavras ambíguas

SEMÂNTICA. Uma comunicação eficaz requer mais que a correção gramatical, embora desta não se possa prescindir. Há situações em que a escolha de um termo polissêmico pode causar algum ruído na comunicação. Vejamos um título jornalístico publicado recentemente:

Políticas trans enfrentam rotina de perseguição e ameaças de morte no país

É bem provável que, num primeiro momento, o leitor seja induzido a pensar que políticas públicas voltadas para pessoas “trans” enfrentem rotina de perseguição, ideia que se desfaz na leitura da segunda parte da frase, pois apenas pessoas são passíveis de sofrer ameaças de morte. De fato, “políticas”, no caso, era o feminino de “políticos”.

Como se vê, embora não se possa considerar incorreta a construção, do ponto de vista da comunicação rápida, sempre desejada pelos jornalistas, o título não era dos melhores – tanto é que logo foi alterado para o seguinte:

Trans na política enfrentam rotina de perseguição e ameaças de morte no país

Este último ficou claramente melhor, não é? Problema semelhante ocorre nos textos em que se emprega o feminino de “músico”. Vejamos esta construção hipotética:

As músicas da orquestra eram belíssimas.

Nossa tendência inicial seria pensar que o adjetivo qualifica as peças musicais, não as musicistas, certo? Em rigor, no entanto, “música” é também um feminino de “músico”, portanto só o contexto esclareceria a questão.

É claro que a língua dispõe de recursos para tornar a construção mais clara. Um deles seria o uso de “musicista” caso se pretendesse falar das mulheres e, se a intenção fosse mesmo falar das obras, o melhor seria dizer “músicas executadas pela orquestra”.

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

Deixe um comentário