“Grassar” e “ser crasso”

GRAMATICAIS. No trecho destacado hoje, o adjetivo “crassa” parece estar no lugar da forma do verbo “grassar”. Vejamos.

Desinformação é, quase sempre, aquilo do qual discordo. A desinformação é um mercado selvagem de conteúdo. Mesmo em catástrofes como um terremoto ou uma enchente — como a recente no itoral norte de São Paulo—, a desinformação crassa.

Ainda que se pudesse atribuir aspecto grosseiro ou tosco à desinformação, justificando-se a construção “desinformação crassa” ou “crassa desinformação”, não parece ter sido essa a intenção do autor, pois, se assim fosse, a oração ficaria truncada, sem um verbo.  

O verbo “grassar” quer dizer “espalhar-se”, “propagar-se”, “difundir-se”, sentidos que se coadunam com aquilo que vem sendo dito no texto. O correto, portanto, ao que tudo indica, seria “a desinformação grassa”. 

O escritor opta pela sequência “aquilo do qual”, que, embora não nos pareça incorreta, não soa tão bem quanto “aquilo de que”. As formas “o qual”, “a qual”, “os quais” e “as quais” (pronomes relativos) são “obrigatórias” quando antecedidas de preposições de duas ou mais sílabas. Também costumam ser usadas para evitar ambiguidades. 

De resto, a leitura da sequência “enchente – como a recente” incomoda pelo eco. “Eco” é o nome dado na gramática a termos que inadvertidamente criam rimas no texto em prosa. Imagine uma frase como “Vicente sente dor de dente”. Em geral, os redatores evitam esse tipo de construção. 

O parágrafo em questão poderia ter sido escrito assim:

Desinformação é, quase sempre, aquilo de que discordo. A desinformação é um mercado selvagem de conteúdo. Mesmo em catástrofes como um terremoto ou uma enchente — como a última ocorrida no litoral norte de São Paulo—, a desinformação grassa.

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

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