“Precisa fazer” ou “É preciso fazer?

GRAMATICAIS. Nos dois pequenos parágrafos abaixo, extraídos de um texto jornalístico, é possível perceber vários pequenos problemas gramaticais. No título desta publicação, foi destacado um deles, que diz respeito a um uso informal do verbo “precisar”. Vamos, no entanto, começar por outra questão, a da duplicação. Você sabe o que é isso?

A duplicação é um tipo de construção sintática em que o uso de dois termos atrelados a um mesmo referente faz parecer que há dois referentes. Quando o nosso conhecimento do assunto nos permite saber que os dois termos remetem ao mesmo referente, conseguimos entender a mensagem, mas, ainda assim, a construção provoca certa estranheza.

No fragmento abaixo, os termos “Bolsonaro” e “ex-presidente” aparentam ter cada um o seu referente, como se fossem duas pessoas, não uma só. O leitor só entende que se trata da mesma pessoa (um só referente) porque já conhece os fatos. Vejamos:

Sob essa perspectiva, a punição de Bolsonaro teria início em 1º de janeiro de 2023, tornando o ex-presidente inelegível em duas eleições municipais e duas gerais, podendo se eleger apenas a partir de 2032.

Para que isso ocorra, no entanto, precisaria que a legislação eleitoral sofra alterações nos próximos sete anos.

Tal estrutura, se usada em um texto mais complexo, certamente traria dificuldade de compreensão. Para evitá-la, bastaria usar um pronome no lugar de “ex-presidente” (“tornando-o inelegível”). Seria possível usar “ex-presidente” como forma de retomar “Bolsonaro”, mas não no mesmo período. Em outro período, aí sim, é possível fazer a segunda menção por meio de outro elemento (veja a seguir, na versão reescrita).

Também se deve evitar a sequência de gerúndios subordinados (“tornando o ex-presidente inelegível…, podendo se eleger”). Note que cada um desses gerúndios se refere a um elemento diferente (“tornando” se refere a “punição”/ “podendo” se refere a “eleger-se”). Não há problema em criar uma sequência de gerúndios coordenados (como ocorre na conhecida letra de música “Caminhando e cantando e seguindo a canção”), portanto é importante saber a diferença entre os dois processos de organização de ideias, a coordenaçao (as ideias têm o mesmo valor) e a subordinação (as ideias estão hierarquizadas). De todo modo, o ideal é explicitar as relações entre as ideias por meio de conjunções.

No segundo parágrafo da sequência transcrita, temos o uso informal do verbo “precisar” (“precisaria que” sem sujeito). Nesse caso, não havendo sujeito (alguém que precisasse de algo), o ideal seria usar a estrutura “é preciso que” (ou “seria preciso que”), na qual o sujeito de “ser preciso” é a oração iniciada pela conjunção “que” (“é preciso que a legislação eleitoral sofra alterações”).

A escolha entre “é preciso” e “seria preciso”, naturalmente, não é aleatória. É necessário estabelecer correlação entre os tempos verbais das orações do período (“seria preciso que a legislação eleitoral sofresse”, “é preciso que a legislação eleitoral sofra”).

Veja, abaixo, uma sugestão de reescrita, na qual se eliminaram a duplicação, a sequência de gerúndios subordinados e o emprego informal do verbo “precisar”: 

Dessa perspectiva, a punição de Bolsonaro teria início em 1º de janeiro de 2023, tornando-o inelegível em duas eleições municipais e em duas gerais. O ex-presidente poderia eleger-se apenas a partir de 2032.

Para que isso ocorra, no entanto, é preciso que a legislação eleitoral sofra alterações nos próximos sete anos.

ATENÇÃO: As imagens usadas nas publicações são meramente ilustrativas e inspiradas no conteúdo do trecho analisado.

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

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