GRAMATICAIS. A velha questão “Aluga-se casas” ou “Alugam-se casas” tornou-se objeto de controvérsia entre gramáticos e linguistas, estes últimos atentos ao uso mais frequente na língua efetivamente falada. Aqui trataremos do uso tradicional e formal da língua portuguesa, que constitui a principal demanda do público desta publicação.
O que justifica a flexão verbal de “alugam-se casas” é o princípio da concordância, segundo o qual o verbo concorda com o seu sujeito, que, no caso, é representado pala palavra “casas”. Em outras palavras, “casas são alugadas”.
Ora, é coisa comum confundir as construções “Aluga-se uma casa” e “Precisa-se de uma casa”, mas cada qual tem uma estrutura diferente. O leitor atento já percebeu que, na segunda frase, existe uma preposição “de”, inexistente na primeira. Isso mostra que os verbos “alugar” e “precisar” têm regimes diferentes, sendo o primeiro um transitivo direto (alugar alguma coisa) e o segundo um transitivo indireto (precisar de alguma coisa).
Os verbos transitivos diretos admitem mudar da voz ativa para a voz passiva. A voz verbal expressa a relação entre o sujeito e o verbo da frase. Quando o sujeito pratica a ação, temos voz ativa; quando o sujeito sofre uma ação praticada por outrem, temos voz passiva. Essa informação é essencial para compreender o problema.
Assim, quando dizemos, por exemplo, “Eu ouvi a música”, estamos na voz ativa (o sujeito “eu” praticou a ação de “ouvir”); quando dizemos “A música foi ouvida por mim”, estamos na voz passiva (o sujeito “música” sofreu a ação de ser ouvido, e “quem ouviu”, ou seja, “por mim”, é o agente da passiva). Agora que relembramos essas noções, vejamos um trecho extraído do noticiário:
Do ex-presidente, além dos epítetos (fascista, genocida), só se ouviu promessas trabalhistas e a negação da privatização da Eletrobrás, tema tão candente para o eleitorado.
No fragmento acima, o verbo “ouvir” está na voz passiva, exatamente como o verbo “alugar” em “Alugam-se casas”, pois “as promessas trabalhistas e a negação da privatização da Eletrobras” foram ouvidas. Vemos, então, que o verbo pode estar na voz passiva mesmo que apareça na forma ativa; para tanto, será acompanhado do pronome apassivador “se”. Na prática, “ouve-se” equivale a “é ouvido”.
Caso o autor do texto tivesse usado o verbo apassivado na forma analítica (foram ouvidas), não teria errado na concordância. Todo o problema está na confusão entre a voz passiva sintética ou pronominal (verbo transitivo direto na sua forma ativa, seguido de um pronome “se”) e o sujeito indeterminado (da construção “Precisa-se de uma casa”).
A voz passiva sintética costuma ser uma opção quando o autor desconhece ou não quer revelar o elemento agente, ou seja, aquele que praticou a ação (o “agente da passiva”). Quando dizemos “só se ouviram promessas”, deixamos indeterminado o agente, ou seja, quem ouviu as promessas, mas informamos que as promessas foram ouvidas.
O elemento desconhecido, no caso, é o agente da passiva, não o sujeito. No caso de “Precisa-se de uma casa”, temos voz ativa com sujeito indeterminado (não há como transformar em passiva, pois “precisar” é transitivo indireto). De acordo com a tradição gramatical, o sujeito indeterminado com partícula “se” não ocorre com verbos que, na voz ativa, admitem objeto direto.
Quando o sujeito é indeterminado, o verbo permanece na terceira pessoa do singular (Assiste-se a bons filmes neste cinema; Dorme-se tranquilo no sítio; Era-se mais feliz naqueles tempos), mas, quando apenas se omitiu o agente da passiva, o verbo concorda com o sujeito (passivo), na terceira pessoa do singular ou do plural (Ouviu-se um ruído estranho / Ouviram-se ruídos estranhos). Assim:
Do ex-presidente, além dos epítetos (fascista, genocida), só se ouviram promessas trabalhistas e a negação da privatização da Eletrobrás, tema tão candente para o eleitorado.