“Ter” e “haver”

DÚVIDA RÁPIDA. O uso de “ter” no sentido de “haver” é muito comum no registro informal, mas não é adequado aos textos mais formais. Veja um caso, extraído de texto de articulista de jornal:

Teve celebridades e políticos que aderiram à fúria sem acrescentar nada ao debate (fenômeno conhecido por “acumulação”). 

Em um texto acadêmico ou em uma correspondência formal, não se usa uma construção como essa. O verbo “ter” não é impessoal, isto é, ele requer um sujeito: quem teve alguma coisa? Bem se vê que, no trecho em questão, a intenção era dizer que “houve celebridades e políticos que aderiram à fúria”. O verbo “haver”, no sentido de “existir” ou “ocorrer”, é impessoal, ou seja, não tem sujeito e permanece na terceira pessoa do singular. Assim:

Houve celebridades e políticos que aderiram à fúria sem acrescentar nada ao debate (fenômeno conhecido por “acumulação”). 

Grafia de “subjugar”

GRAMATICAIS. É importante evitar o erro de grafia que consiste em usar a letra “l” depois do segundo “u” de “subjugar”. Mais comum do que possa parecer à primeira vista, a grafia “subjulgar” aparece com alguma frequência na grande imprensa, bem como em sites e blogs. É provável que o erro seja motivado pela falsa interpretação de que o prefixo “sub-” estaria posto antes do verbo “julgar”.

Abaixo, arrolamos alguns casos colhidos em diversas fontes. No primeiro deles, temos o que se entendeu ser a expressão “sob o julgo de”, que não existe na língua portuguesa. Vejamos:

(a) O ponto central é que a presidência da república já está sob o julgo de interesses internacionais.

Ora, a expressão nada tem que ver com a ideia de “julgar”. O substantivo que atua como seu núcleo é “jugo”, que, no sentido literal, é o mesmo que “canga”, ou seja, a peça de madeira que se põe sobre a cabeça dos bois para atrelá-los a uma carroça ou arado. No sentido figurado, “jugo” quer dizer “sujeição” ou “opressão”. Estar sob o jugo de alguém é estar sob o seu domínio.

Vale dizer, a título de curiosidade, que o substantivo “cônjuge” tem origem nesse termo. Estariam os cônjuges atrelados um ao outro como uma parelha que puxa um veículo de carga. Vejamos alguns casos em que os redatores imaginaram que o termo tivesse alguma relação com a ideia de “julgar”:

(b) Ao final do mês, o único mimo que compartilhava com uma vizinha era dar um pote de marmelada para que as crianças dividissem. A vida era dura e não foi fácil trocar as novas tentativas de casamento por uma existência subjulgada.

(c) “Temos que cooperar entre nós agentes políticos e partidos políticos, independente de partidos políticos, independente de ideologias, o que não significa que jamais seremos subservientes ao governo federal, jamais estaremos subjulgados ao Poder Judiciário”, afirmou.

(d) Em seu livro “Cyber War Will Not Take Place” (“A Ciberguerra não Acontecerá”), Rid argumenta que um ato ofensivo qualquer, para ser considerado ato de guerra, deve obedecer três critérios. Primeiro, deve ser fisicamente violento, ou seja, deve ter vítimas. Segundo, deve ser instrumental, ou seja, a violência deve ser um meio para atingir um fim. Por último, atos de guerra são, necessariamente, políticos: um Estado a fim de subjulgar outro.

(d) A montanha-russa de uma vida marcada por gastos exorbitantes e escândalos familiares subjulgou a imagem de self-made woman

No item (c), além do erro de grafia em “subjulgados”, temos o uso incorreto de “independente” no lugar de “independentemente”, tema tratado em recente publicação.  Em (d), encontramos também uma regência fora do padrão: o verbo “obedecer” pede complemento iniciado pela preposição “a” (“obedecer a três critérios”).

Lembre-se: não existe “subjulgar”; o correto é “subjugar” (de “jugo”); a locução prepositiva é “sob o jugo de”. Certo? Os textos, depois de corrigidos, ficariam assim:

(a) O ponto central é que a presidência da república já está sob o jugo de interesses internacionais.

(b) Ao final do mês, o único mimo que compartilhava com uma vizinha era dar um pote de marmelada para que as crianças dividissem. A vida era dura e não foi fácil trocar as novas tentativas de casamento por uma existência subjugada.

(c) “Temos que cooperar entre nós agentes políticos e partidos políticos, independentemente de partidos políticos, independentemente de ideologias, o que não significa que jamais seremos subservientes ao governo federal, jamais estaremos subjugados ao Poder Judiciário”, afirmou.

(d) Em seu livro “Cyber War Will Not Take Place” (“A Ciberguerra não Acontecerá”), Rid argumenta que um ato ofensivo qualquer, para ser considerado ato de guerra, deve obedecer a três critérios. Primeiro, deve ser fisicamente violento, ou seja, deve ter vítimas. Segundo, deve ser instrumental, ou seja, a violência deve ser um meio para atingir um fim. Por último, atos de guerra são, necessariamente, políticos: um Estado a fim de subjugar outro.

“Independente” e “independentemente”

GRAMATICAIS. Há quem não veja problema em usar o adjetivo “independente” no lugar do advérbio “independentemente”. Em geral, o argumento é o de que os adjetivos podem, sim, ser adverbializados, como ocorre em “Ele fala muito rápido” ou “Ela fala muito alto”, em que “rápido” e “alto”, embora sejam adjetivos, exercem função de advérbio.

Contra essa percepção, no entanto, atua a sintaxe. Note-se que, em “falar rápido” ou “falar alto”, o adjetivo está posto imediatamente depois do verbo, o que favorece a sua transformação em advérbio (falar de modo rápido/ rapidamente, falar de modo alto/ altamente). Com “independente/ independentemente”, isso não ocorre.

Vejamos um excerto, extraído de texto de jornal, em que o redator usou o adjetivo no lugar do advérbio:

Independente das regras que virão, as escolas precisam agir mais e melhor agora. Há muitas experiências positivas que precisam ser compartilhadas. 

O adjetivo “independente” tem o sentido de “autônomo” (cinema independente), bem como o de “insubmisso” (jovens independentes, mulher independente), entre outras acepções. O advérbio, por sua vez, aparece como modificador de uma afirmação completa. Vejamos duas situações, em que a distinção entre os termos fica clara:

 Independentemente das regras que virão, as escolas precisam agir mais e melhor agora. Há muitas experiências positivas que precisam ser compartilhadas. [reescrita do excerto acima, agora com o advérbio “independentemente”]

Independentes, as escolas decidiram manter sua grade curricular.  [o adjetivo “independentes” concorda com o substantivo “escolas”]

Seleção lexical e ordem dos termos

SEMÂNTICA. PARA ALÉM DA GRAMÁTICA. Nem sempre damos a devida atenção à escolha das palavras, mas quem quer que deseje escrever bem não pode abrir mão de fazê-lo. Vejamos a frase abaixo, extraída de um texto de jornal:

O caso ocorreu em julho, quando o presidente levantou suspeitas sobre a veracidade das urnas durante a tradicional live semanal das quintas-feiras.

A “veracidade” é a qualidade daquilo que é verdadeiro, certo? Embora tenhamos compreendido a intenção do redator, é impróprio falar em “veracidade das urnas”. Sendo as urnas um objeto concreto, não lhes cabe serem verdadeiras ou falsas. Ao tratar dos resultados da votação por meio de urnas eletrônicas, aí sim, é possível questionar a sua veracidade (veracidade dos resultados).

Para falar acerca das urnas em si, há outros termos (suspeitas sobre a eficácia das urnas eletrônicas; suspeitas sobre a inviolabilidade das urnas eletrônicas; suspeitas sobre o correto funcionamento das urnas eletrônicas etc.). Note-se ainda que o adjetivo “eletrônicas” é importante no contexto.

O adjetivo “tradicional” é muito usado nos textos da imprensa e, naturalmente, não vamos dizer que esteja errado. No contexto, percebe-se que a intenção do autor é referir-se a um evento que se repete, coisa que o adjetivo “semanal” já faz. O adjetivo “tradicional”, como se vê, não acrescenta propriamente uma informação, mas, isto sim, um valor. O jornalista, talvez sem intenção, demonstra certa simpatia pelo evento. Lembremos outros casos de uso do mesmo adjetivo: a tradicional feijoada dos sábados, a tradicional festa de São João, o tradicional sarau de poesia da periferia etc. O texto ganharia em objetividade caso esse adjetivo não estivesse lá.

Além disso, a ordem dos elementos do período pode aumentar ou diminuir a sua clareza. Compare as duas reescritas abaixo:

  • (a) O caso ocorreu em julho, quando o presidente levantou suspeitas sobre a inviolabilidade das urnas eletrônicas durante a sua live semanal das quintas-feiras.
  • (b) O caso ocorreu em julho, quando, durante a sua live semanal das quintas-feiras, o presidente levantou suspeitas sobre a inviolabilidade das urnas eletrônicas.

Não é difícil perceber que a segunda opção (b) é melhor que a primeira, certo?

No primeiro caso (a), pode-se imaginar, ainda que não tenha muito cabimento, que se questione a inviolabilidade das urnas na live (como se elas pudessem ser ou não invioláveis na live).

Em (b), o que melhora a compreensão do texto é deixar no final a expressão “suspeitas sobre a inviolabilidade das urnas eletrônicas”. Além disso, as duas expressões de tempo ficaram agrupadas (quando, durante a sua live), não separadas, o que é o ideal.

“Há” e “a”, “falar que” e um pleonasmo

GRAMATICAIS. O fragmento abaixo, extraído de um jornal da capital federal, suscita importantes questões gramaticais: a confusão entre “há” e “a” na indicação de tempo, a construção “prazo final” e o uso do verbo “falar” como verbo declarativo. Vejamos:

Há poucos dias do prazo final para depor na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a dizer que o inquérito das Fake News, divulgado por ele em uma live, não era sigiloso. O chefe do Planalto também falou que “não quis afrontar ninguém” com a revelação do inquérito.

A forma “há”, do verbo “haver”, aplica-se a tempo decorrido (passado), diferentemente do que se quis fazer na passagem em destaque. O redator pretendeu dizer que o presidente da República fez uma afirmação poucos dias antes do término do prazo para depor na Polícia Federal. Como se vê, o tempo ainda não tinha passado.

Em situações como essa, emprega-se a preposição “a”, que indica distância; vale observar que, nesse caso, a medida da distância é temporal. É o que ocorre, por exemplo, quando dizemos que Campinas fica a uma hora de São Paulo. Do mesmo modo, o presidente estava a poucos dias do término do prazo para depor.

Quanto à expressão “prazo final”, é preciso considerar que o adjetivo “final” nada acrescenta à ideia contida em “prazo”, uma vez que o substantivo já contém em si a ideia de limite de tempo. Para evitar o pleonasmo, suprima-se o adjetivo “final” e explicite-se que a pessoa está a poucos dias do fim (ou do término) do prazo.

O verbo “falar”, por sua vez, pelo menos segundo a tradição da língua portuguesa, não é um verbo declarativo, como o são os verbos “dizer” e “afirmar”. É por isso que não se recomenda o uso de “falar que” no lugar de “dizer que” ou “afirmar que”. Falamos sobre algo, falamos com alguém, falamos a um auditório, falamos várias línguas, mas não “falamos que algo ocorreu” – nesse caso, “dizemos que algo ocorreu”.

Consideradas as observações, o texto poderia ter a seguinte redação:

A poucos dias do término do prazo para depor na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a dizer que o inquérito das Fake News, divulgado por ele em uma live, não era sigiloso. O chefe do Planalto também disse que “não quis afrontar ninguém” com a revelação do inquérito.

Crase antes do masculino (?)

GRAMATICAIS. A crase, como sabemos, salvo em circunstâncias de desambiguação, só ocorre quando a preposição “a” se funde nos artigos femininos “a” e “as”, nos pronomes relativos femininos “a qual” e “as quais” ou nos pronomes demonstrativos “a”, “as”, “aquele”, “aquela”, “aqueles”, “aquelas” e “aquilo”. Assim, se desconsiderarmos a crase com os pronomes arrolados, restará aquela que antecede palavras femininas, afinal são estas que requerem os artigos “a” e “as”.

Dito isso, vamos observar o trecho abaixo, extraído de um blog de notícias:

A preocupação é relevante porque a pornografia da vingança ou revenge porn é um ato ilícito que consiste em divulgar em sites, aplicativos e redes sociais imagens com cenas de intimidade, nudez, sexo à dois ou grupal, com o único objetivo de colocar a pessoa em situação vexatória e constrangedora diante da sociedade, escola, parentes e amigos, para promover a maliciosa e hoje mais terrível vingança virtual para as mulheres.

O numeral “dois”, que é masculino (seu feminino é “duas”), aparece substantivado, ou seja, está no lugar de “duas pessoas”. Caso quiséssemos usar um artigo antes de “dois”, ele necessariamente seria masculino, certo? Diríamos “os dois”, não “as dois”. Assim, de saída, percebemos que não há hipótese de haver crase (fusão) antes desse termo.

Palavras masculinas antecedidas de preposição “a” constituem, em geral, expressões nas quais o artigo definido foi suprimido para dar caráter geral, não definido, ao substantivo (é o caso de “a dois”, “a três”, “a mil”, “a convite de”, “a título de”, “a seco”, “a óleo”, “a tiracolo”, “a pedido de”, “a rodo”, “a olhos vistos” etc.). Assim, “sexo a dois” escreve-se apenas com a preposição “a”:

 A preocupação é relevante porque a pornografia da vingança ou revenge porn é um ato ilícito que consiste em divulgar em sites, aplicativos e redes sociais imagens com cenas de intimidade, nudez, sexo a dois ou grupal, com o único objetivo de colocar a pessoa em situação vexatória e constrangedora diante da sociedade, escola, parentes e amigos, para promover a maliciosa e hoje mais terrível vingança virtual para as mulheres.

Correlação de tempos verbais

GRAMATICAIS. Na maior parte das vezes, a correlação de tempos verbais é algo intuitivo para o falante nativo do português. Por exemplo, ninguém diria algo como “Se eu for lá amanhã, eu o avisei”. É fácil perceber uma espécie de incoerência entre os tempos verbais, pois “for” está no futuro e aparece como condição para a realização de uma ação já ocorrida no passado (“avisei”). Como isso seria possível? Não seria.

Muito bem. Se casos como esse são improváveis, outros há que se avolumam nas páginas de jornais. Vejamos um excerto de reportagem:

Filiado ao Podemos, o ex-procurador é pré-candidato a deputado federal pelo estado. De acordo com a empresária, porém, Deltan deveria ser considerado inelegível caso venha a registrar a sua candidatura para o pleito deste ano.

A forma verbal “deveria ser considerado” está no futuro do pretérito (é esse o tempo de “deveria”, o verbo auxiliar), enquanto a forma verbal da oração condicional (“venha a registrar”) está no presente do subjuntivo (tempo do auxiliar “venha”, que empresta ao infinitivo a ideia de futuro). O fato de haver verbos auxiliares nas duas partes do período, à primeira vista, pode ser um complicador, portanto façamos uma simplificação para facilitar o raciocínio:

Deltan seria considerado inelegível caso registre a sua candidatura para o pleito deste ano.

Nesse período (sem os auxiliares), fica bem mais fácil perceber a discrepância de tempos verbais. Temos igualmente futuro do pretérito (“seria considerado”) com presente do subjuntivo (“registre”). Ora, uma ação situada no futuro do pretérito pode ser condicionada por uma ação situada no passado (seria considerado inelegível caso registrasse a sua candidatura). Do mesmo modo, uma ação situada no futuro do presente pode ser condicionada por uma ação situada no presente (será considerado inelegível caso registre a sua candidatura).  

Agora voltemos ao período original, que pode ser corrigido de duas formas. Vejamos:

Filiado ao Podemos, o ex-procurador é pré-candidato a deputado federal pelo estado. De acordo com a empresária, porém, Deltan deverá ser considerado inelegível caso venha a registrar a sua candidatura para o pleito deste ano.

Filiado ao Podemos, o ex-procurador é pré-candidato a deputado federal pelo estado. De acordo com a empresária, porém, Deltan deveria ser considerado inelegível caso viesse a registrar a sua candidatura para o pleito deste ano.

Do ponto de vista da correlação de tempos, os dois períodos acima estão corretos. Há, porém, nuances de significado que os distinguem para além do tempo das ações. Isso ocorre por causa do uso do modalizador “dever”, que sugere necessidade, obrigação ou probabilidade.

No primeiro caso (“deverá ser considerado inelegível”), pode haver a ideia de mera probabilidade de realização do fato; no segundo (“deveria ser considerado inelegível”), parece prevalecer a ideia de obrigação. No mais, é o contexto que contribui decisivamente para a correta interpretação do sentido almejado.

Hífen e pronúncia

GRAMATICAIS. Embora o Novo Acordo Ortográfico, em vigor desde 2009, tenha simplificado muito o sistema de hifenização de prefixos, não são poucas as vezes em que observamos um novo tipo de erro de grafia. Antes da mudança, era incomum o uso do dígrafo “rr” em palavras cuja pronúncia requer a separação das duas consoantes.

Vejamos um caso, extraído de um texto publicado em um jornal de São Paulo, que está longe de ser uma ocorrência fortuita:  

Promete, ainda, uma reforma para que os superricos —cerca de 4.000 pessoas no país— paguem mais impostos, que seriam destinados a aplacar a pobreza. 

A notícia tratava da eleição de Gustavo Petro para a presidência da Colômbia. O presidente eleito prometeu, como se vê, taxar as grandes fortunas, ou fazer que os super-ricos paguem mais impostos. É difícil imaginar que algum falante nativo do português pronuncie algo como “superricos”, à maneira de “burricos”, mas esse tipo de erro de grafia passou a ocorrer depois do Acordo.

É possível imaginar que, dado o fato de terem surgido mais palavras com o encontro “rr”, muita gente não tenha atentado para um “pormenor” realmente importante. Os prefixos terminados em vogal (e somente eles), quando postos diante de um termo iniciado por “r”, é que passaram a requerer um “r” a mais.

Antes do Acordo, escrevíamos “auto-retrato”; depois, o hífen foi eliminado e o prefixo “auto-” se juntou ao substantivo “retrato”. Ora, se não houvesse a duplicação do “r”, teríamos “autoretrato”, o que nos levaria a pronunciar o “r” intervocálico como o fazemos em “caro”; para que a pronúncia se mantivesse ilesa, duplicou-se o “r”, como fazemos em “carro”.  O par caro/ carro ilustra bem a diferença de pronúncia do “r” entre duas vogais.

Termos como “super-rico”, “hiper-realismo”, “ciber-realidade”, “inter-regional” e outros semelhantes apresentam um prefixo que termina com a letra “r” a anteceder uma palavra que começa com a mesma letra. Nesses casos, os “r-r” se separam, preservando-se a pronúncia de cada um deles. Essa é, aliás, a regra-mãe da hifenização. O hífen aparece quando a última letra do prefixo é igual à primeira da palavra seguinte (micro-ondas, multi-instrumentista etc.).  Assim:

Promete, ainda, uma reforma para que os super-ricos —cerca de 4.000 pessoas no país— paguem mais impostos, que seriam destinados a aplacar a pobreza. 

Paraelismo sintático

PARA ALÉM DA GRAMÁTICA. O trecho que vamos analisar hoje foi extraído de um site de notícias muito popular. Convém observar que o redator aparentemente ignora o que seja o paralelismo sintático. Diga-se de passagem, esse tema, embora seja muito importante, nem sempre aparece nas aulas de português. O paralelismo é uma das formas de assegurar a fluidez do texto. Seu uso releva capacidade de organização do pensamento. Vejamos como escreveu o nosso redator:

O presidente da fundação disse que existe um procedimento para a entrada em áreas como o Vale do Javari. Segundo ele, o objetivo é evitar que indígenas percebam a presença de outras pessoas como uma ameaça, a disseminação de doenças, e para garantir a segurança de quem participa das expedições.

Note que o verbo “evitar” tem dois complementos de estruturas sintáticas diferentes (1. que indígenas percebam a presença de outras pessoas como uma ameaça; 2. a disseminação de doenças). O primeiro deles é uma longa oração e o segundo um substantivo seguido de complemento. De acordo com o princípio do paralelismo, os dois complementos devem ter o mesmo tipo de estrutura (ou duas orações, ou dois substantivos).

Outra falha de paralelismo está no uso de “e para”. A conjunção “e” deveria ligar os dois complementos de “evitar”; a preposição “para”, por sua vez, não tem função, uma vez que “garantir” está em paralelo com “evitar” (o objetivo é evitar “x” e “y” e garantir “z”). A sequência de elementos ligados por “e” que resulta dessa reformulação não é recomendável, mas, para isso também há solução. Vejamos duas propostas (entre outras possíveis):

Segundo ele, o objetivo é, por um lado, evitar que indígenas percebam a presença de outras pessoas como uma ameaça e que haja disseminação de doenças e, por outro, garantir a segurança de quem participa das expedições.

Segundo ele, o objetivo é não só evitar que indígenas percebam a presença de outras pessoas como uma ameaça e que haja disseminação de doenças como também garantir a segurança de quem participa das expedições.

Note que as expressões “por um lado” e “por outro” ajudam a organizar a sequência, explicitando a divisão entre as ideias. O mesmo efeito é obtido pela estrutura correlativa “não só… como também”. O acréscimo de “que haja”, embora não acrescente informação, transforma o segundo complemento de “evitar” em uma oração, criando paralelismo (“evitar que ‘x’ e que ‘y’).

Algumas pessoas preferirão pluralizar o termo objetivo (os objetivos são evitar ‘x’ e garantir ‘y’), mas isso não é necessário, pois as duas ações, em conjunto, podem constituir o objetivo do procedimento.

“Porque” e “por que”

GRAMATICAIS. No português do Brasil, o advérbio interrogativo de causa escreve-se em duas palavras (“por que”). É por isso que se aprende desde cedo que, para fazer uma pergunta, se usa essa forma (Por que você não veio ontem?). O que nem sempre está claro, porém, é que nem toda pergunta é direta, com ponto de interrogação no final a indicar determinada entonação.

Vejamos a passagem a seguir, extraída de um periódico, em que o redator aparentemente não percebeu que deveria usar o advérbio interrogativo:

Os advogados pedem então que o STF emita uma medida liminar para reconhecer que qualquer decisão do STJ sobre o caso neste momento é nula. A defesa do ex-presidente pede que o Tribunal e a PGR sejam intimados a explicar porque desrespeitaram uma decisão de uma instância superior.

As interrogações indiretas nem sempre são percebidas como tais. Nesse tipo de formulação, emprega-se o ponto final, mas, ainda assim, o advérbio “por que” preenche a lacuna da causa ou motivo de uma ação. Ao pedirmos a alguém que explique por que fez algo, estamos fazendo uma interrogação indireta, pois o “por que” ocupa o lugar da causa (por que motivo fez). A conjunção “porque” introduz uma oração que explicita a causa de algo (Não foi à aula porque estava doente), enquanto o advérbio assinala que se deseja saber a causa de algo.

Os advérbios interrogativos servem para indagar acerca de determinadas circunstâncias: como (modo), quando (tempo), onde (lugar), por que (causa). Compare as seguintes sentenças interrogativas diretas:

  1. Como você está?
  2. Quando você estará em casa?
  3. Onde você está?
  4. Por que você não estava lá?

Agora vamos transformá-las em interrogativas indiretas:

  1. Gostaria de saber como você está.
  2. Diga-me quando você estará em casa.
  3. Eu não sei onde você está.
  4. Ela não explicou por que você não estava lá. 

Algumas pessoas preferem usar um artifício para não errar a grafia “por que”. O modo de checar se realmente estamos diante do advérbio interrogativo de causa é tentar substituí-lo por “a razão pela qual”. Se der certo, use “por que” (“separado”!). Assim:

A defesa do ex-presidente pede que o Tribunal e a PGR sejam intimados a explicar por que [= a razão pela qual]desrespeitaram uma decisão de uma instância superior.