DÚVIDA RÁPIDA. Existe ou não crase em expressões do tipo “abaixo a ditadura”, “abaixo a censura”? Não existe. Vamos entender por quê.
“Abaixo”, em primeiro lugar, é um advérbio que, oposto a “acima”, indica posição menos elevada e, consequentemente, aquilo que se movimenta em direção descendente (de descida). Dizemos que uma pedra rolou ladeira abaixo ou mesmo, no sentido figurado, que a democracia brasileira está rolando ladeira abaixo.
Numa extensão de sentido, “abaixo” indica aquilo que é inferior de um ponto de vista hierárquico (por exemplo, o coronel está abaixo do general na hierarquia do Exército, o diretor da empresa está abaixo do presidente e assim por diante).
Quando nos referimos a pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, o termo indica posição inferior a essa linha, que é um dado abstrato, de natureza estatística, expresso pela renda per capita (por cabeça) mínima com que uma pessoa consegue sobreviver.
Para entender a construção “abaixo a censura”, em que “abaixo” tem valor de interjeição, é preciso remontar às expressões “pôr abaixo” ou “botar abaixo”, que têm o sentido de derrubar, fazer algo cair ou ir ao chão. Nessas construções, o verbo é transitivo direto e, assim, requer como complemento direto (sem preposição) aquilo que se pretende derrubar. Por exemplo: pôr abaixo a censura, botar abaixo a ditadura.
Pode-se dizer, então, que a construção de valor interjetivo “abaixo a ditadura” é uma redução da expressão “pôr abaixo a ditadura”. Se fosse desenvolvida, a construção seria algo como “vamos pôr abaixo a ditadura”. Como palavra de ordem, em que prevalece a indignação de quem fala, a frase se condensa: “Abaixo a ditadura!”.
Vale lembrar que existe também a expressão “vir abaixo”, que significa cair ou desmoronar por si só, sem a ação direta de um agente. Essa expressão requer o sujeito de “vir” (verbo intransitivo), que, no caso, é aquilo que desaba (O edifício veio abaixo). É comum, no sentido figurado, dizer que “a plateia veio abaixo” quando o público cai na gargalhada diante de uma encenação teatral.
Vemos, então, que “abaixo a ditadura”, “abaixo a censura” e outras construções similares vêm da expressão “pôr abaixo”, não da expressão “vir abaixo”, pois são formas de conclamar as pessoas à ação de derrubar algo indesejável.
Uma forma bem simples de perceber que não ocorre crase é substituir a palavra feminina (censura, ditadura) por uma palavra masculina: “Abaixo o governo!”. Ninguém diria “abaixo ao governo”, certo? Lembre-se de que o “a” craseado é um “a” duplo (preposição “a” fundida, na maioria das vezes, no artigo “a”).
Houve, portanto, um equívoco no título abaixo, de artigo que conclama o leitor a posicionar-se contrariamente à censura imposta a um site, que foi condenado pela Justiça a tirar do ar uma série de reportagens jornalísticas acerca de um banco. Veja:
Abaixo à censura, solidariedade ao Jornal GGN
Esse erro gramatical é frequente. Muita gente faz confusão, mas basta lembrar que “abaixo a censura” é uma redução de “pôr abaixo a censura”, ou seja, derrubar a censura. Assim:
Abaixo a censura, solidariedade ao Jornal GGN
O tema da retirada de matérias jornalísticas do ar é polêmico. Em artigo da revista Exame, de 2016, um dos ministros do STF disse considerar censura ações desse tipo. Vale prestar atenção a essa discussão.
Essa é uma duvida cruel que sempre tive, mas que agora foi devidamente esclarecida. Muito obrigado pela aula.
CurtirCurtir
Que bom, Marco, que resolveu a sua dúvida. Ajude-nos a divulgar o blog! Grande abraço
CurtirCurtir
Bom dia!
Como seria corrreto:
Você viu a censura à Joven Pan
Ou
Você viu a censura à Joven Pan
CurtirCurtir
Bianca, na frase apresentada por você, ocorre a crase, sim. Nesse caso, o termo “censura” rege um complemento feminino (a Jovem Pan) introduzido pela preposição “a”. Assim: “Você viu a censura à Jovem Pan?”. Abraços.
CurtirCurtir