PARA ALÉM DA GRAMÁTICA. Não é novidade que a língua tem diferentes registros, sendo um deles o chamado “culto”, ou seja, aquele aprendido nas escolas e na tradição literária, e outros os adquiridos apenas pela tradição oral da região ou da comunidade em que vive o falante. Registros são, grosso modo, diferentes formas de usar a mesma língua. Diga-se, ainda, que uma mesma pessoa pode fazer uso de diferentes registros da língua, a depender da situação de comunicação.
Certos registros, de fato, indicam baixa escolaridade, o que, no entanto, nada tem que ver com a capacidade de raciocínio de quem neles se expressa. A norma culta, em grande medida, é feita de convenções – e mesmo pessoas escolarizadas por vezes as desconhecem. No Brasil, aliás, isso é muito frequente, motivo pelo qual (se não por outro melhor) seria sensato evitar o “bullying” com quem aparentemente se expressa do modo diverso do seu.
Alguns traços de registros orais da língua são rapidamente captados pelas camadas mais escolarizadas da sociedade. Dessa percepção pode resultar uma de duas posturas: respeito pela forma de se expressar da outra pessoa ou preconceito social.
Recentemente, o Twitter foi tomado por uma questão linguística que traz consigo o gérmen do preconceito social. Dizia-se que, em sua última fala (proferida há uma semana), o ex-presidente Lula – que, diga-se, capturou a atenção do país inteiro e criou rebuliço nas peças do tabuleiro da política – pronunciou a palavra “advogado” como se o “d” tivesse um apoio vocálico (“adevogado”), pronúncia, aliás, muito comum até mesmo entre advogados.
Cada um expresse o que quiser, as redes sociais estão aí para isso mesmo, mas muita gente que fez chacota com a pronúncia “adevogado” (no lugar de “advogado”) anda por aí dizendo “piscicólogo” (em vez de “psicólogo”), “pissiquiatra” (em vez de “psiquiatra”), “piscicologia” (em vez de “psicologia”), “peneu” (em vez de “pneu”), “peneumonia” (em vez de “pneumonia”), “subi-humano” (em vez de “sub-humano”/ “subumano”) etc. Na prática, a questão é exatamente a mesma: a interpolação de uma vogal que desfaz um encontro consonantal, fenômeno fonético que atende pelo nome de “suarabácti” (termo de origem sânscrita).
Esse apoio vocálico facilita a pronúncia em português e, algumas vezes, passa a integrar a grafia oficial de uma palavra. Muita gente desconhece o que seja um “cáften”, mas sabe muito bem o que é um “cafetão”. Esta última forma é uma alteração da primeira, que já ganhou lugar nos dicionários. O feminino culto “caftina” é quase sempre substituído por “cafetina”, com apoio vocálico. O mesmo vale para o verbo “caftinar” (culto), que vem dando lugar a “cafetinar”.
Os termos iniciados por “psi-” não devem confundir-se com aqueles iniciados por “pis-”. Observe a diferença de pronúncia (e de significado) entre “psicologia” (que vem de “psique”, a mente humana) e “piscicultura” (que é a criação de “peixes”) – “piscina”, aliás, na origem, era um viveiro de peixes, daí a sua grafia (e pronúncia).
O coro dos indignados com o “adevogado” de Lula deve tomar cuidado com a conjugação do verbo “indignar-se”: como é mesmo que se lê algo como “Não se indigne à toa!”? Quem disser “indiguine” estará fazendo o mesmo que aqueles que dizem “adevogado”, “piscicólogo” ou… “ismartifone”.
Enfim, o próprio Lula, em seu discurso, fez referência, aliás muito bem-humorada, aos inúmeros professores de português que apareceram na sua trajetória, ou seja, aquelas pessoas que corrigiam seu uso de “menas” no lugar de “menos”. Lula disse que não sabia, que dizia “menas laranja” e o pessoal na porta da fábrica entendia. Mal sabia ele que, enquanto discursava, essas mesmas pessoas estavam nas redes sociais procurando uma forma de extravasar seu preconceito contra a origem social dele. O perigo é agir feito o macaco que se senta no próprio rabo e se põe a criticar o rabo alheio.
Perfeito, minha Amiga!
Belíssima aula!!!
Abraço carinhoso!
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Valeu NIlson, muito obrigada! Forte abraço a você ao querido Piauí!
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BOA NOITE,PROFESSORA.QUALQUER TIPO DE PRECONCEITO DEVE SER BANIDO.
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