PARA ALÉM DA GRAMÁTICA. Como veremos hoje, nem só a gramática sustenta um texto bem escrito. Há certos arranjos de frase que funcionam bem e outros que deixam a desejar. Vamos observar um caso curioso, cada vez mais frequente nos textos da imprensa:
Naquela data, diante de uma multidão na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro pregou desobediência a decisões de Alexandre de Moraes, relator de inquéritos que miram aliados do presidente.
No trecho acima, os termos “Bolsonaro” e “presidente”, embora se refiram à mesma pessoa, parecem designar dois seres diferentes. Isso ocorre porque o pronome (ele), que serviria para retomar o nome (Bolsonaro), é substituído por um substantivo (presidente). Caso não se soubesse que Bolsonaro é o presidente, estaria feita uma grande confusão.
Como nosso objetivo é examinar a construção, não nos interessa saber se o leitor entendeu a frase porque já conhecia o assunto. O texto bem escrito deve permitir a qualquer leitor entender o que se diz.
É bom que se diga que o uso de hipônimos (termos mais específicos) e hiperônimos (termos mais genéricos) é muito bem-vindo nas boas redações, mas desde que não produza o efeito de duplicação. Em geral, esse efeito desagradável ocorre quando o hiperônimo ou o hipônimo é empregado dentro do mesmo período (antes do ponto final), como ocorreu no exemplo acima. Nesse caso, o ideal seria usar “ele” (pronome) no lugar de “presidente” (hiperônimo). Assim:
Naquela data, diante de uma multidão na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro pregou desobediência a decisões de Alexandre de Moraes, relator de inquéritos que miram aliados dele.
Vejamos, agora, uma situação em que o hiperônimo seria o ideal:
Naquela data, diante de uma multidão na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro pregou desobediência a decisões de Alexandre de Moraes. O presidente e o ministro do STF vêm medindo forças nos últimos meses.