“Há” e “a”, “falar que” e um pleonasmo

GRAMATICAIS. O fragmento abaixo, extraído de um jornal da capital federal, suscita importantes questões gramaticais: a confusão entre “há” e “a” na indicação de tempo, a construção “prazo final” e o uso do verbo “falar” como verbo declarativo. Vejamos:

Há poucos dias do prazo final para depor na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a dizer que o inquérito das Fake News, divulgado por ele em uma live, não era sigiloso. O chefe do Planalto também falou que “não quis afrontar ninguém” com a revelação do inquérito.

A forma “há”, do verbo “haver”, aplica-se a tempo decorrido (passado), diferentemente do que se quis fazer na passagem em destaque. O redator pretendeu dizer que o presidente da República fez uma afirmação poucos dias antes do término do prazo para depor na Polícia Federal. Como se vê, o tempo ainda não tinha passado.

Em situações como essa, emprega-se a preposição “a”, que indica distância; vale observar que, nesse caso, a medida da distância é temporal. É o que ocorre, por exemplo, quando dizemos que Campinas fica a uma hora de São Paulo. Do mesmo modo, o presidente estava a poucos dias do término do prazo para depor.

Quanto à expressão “prazo final”, é preciso considerar que o adjetivo “final” nada acrescenta à ideia contida em “prazo”, uma vez que o substantivo já contém em si a ideia de limite de tempo. Para evitar o pleonasmo, suprima-se o adjetivo “final” e explicite-se que a pessoa está a poucos dias do fim (ou do término) do prazo.

O verbo “falar”, por sua vez, pelo menos segundo a tradição da língua portuguesa, não é um verbo declarativo, como o são os verbos “dizer” e “afirmar”. É por isso que não se recomenda o uso de “falar que” no lugar de “dizer que” ou “afirmar que”. Falamos sobre algo, falamos com alguém, falamos a um auditório, falamos várias línguas, mas não “falamos que algo ocorreu” – nesse caso, “dizemos que algo ocorreu”.

Consideradas as observações, o texto poderia ter a seguinte redação:

A poucos dias do término do prazo para depor na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a dizer que o inquérito das Fake News, divulgado por ele em uma live, não era sigiloso. O chefe do Planalto também disse que “não quis afrontar ninguém” com a revelação do inquérito.

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

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