SEMÂNTICA. O trecho abaixo, extraído de uma notícia publicada em um site, mostra que aquilo que, na fala, até funciona pode, na escrita, provocar estranhamento ou mesmo um mal-entendido. O redator confia plenamente na ajuda do contexto ou na contribuição da fotografia que ilustra a reportagem e, talvez por isso, investe pouco no texto em si. Vejamos de que se trata:
Em 20 de junho, uma advogada foi barrada na portaria do prédio da Justiça Federal em Porto Velho (RO) porque estava com uma saia curta demais. A comissão julgadora dos trajes consistiu em dois funcionários da segurança, que interpretaram a norma em vigor na época: era proibido entrar no local com roupa medindo 15 centímetros ou mais a partir dos joelhos.
A primeira observação a fazer é que uma “roupa” (termo genérico, que engloba qualquer peça, da lingerie ao sobretudo) medindo 15 centímetros “a partir dos joelhos” mais parece um traje longo que um traje curto. O redator pensou nos joelhos como ponto de referência do comprimento, o que está correto, sendo esse o uso corrente na costura. O problema está na expressão “a partir de”, que, embora reafirme o ponto de referência, deixa de considerar o dado mais importante: para cima ou para baixo?
É por isso que, no mundo da moda, se usam as expressões “acima do joelho” e “abaixo do joelho”. Além disso, a proibição a que se refere a notícia, ao que tudo indica, não se estende a todo tipo de roupa, uma vez que a preocupação do legislador, ao que tudo indica, está voltada para a exposição das pernas.
Temos nesse caso um uso impreciso dos hipônimos (termos específicos) e dos hiperônimos (termos gerais) – no par “saia”/”roupa”, “saia” é hipônimo e “roupa” é hiperônimo. É possível usar o hiperônimo para retomar o hipônimo, mas é essencial saber se o atributo de um é também atributo do outro. No caso, não deu certo, pois a regra se aplica a certos tipos de roupa, não a todas as roupas.
Outra questão importante diz respeito à enunciação. No período inicial, afirma-se que a advogada foi barrada “porque estava com uma saia curta demais”. O redator considerou relevante dar essa notícia, pois, aparentemente, achou incorreto ou discutível que a mulher fosse impedida de entrar no tribunal por esse motivo.
Talvez sem intenção, ao reproduzir o motivo do impedimento da passagem, corroborou o dado que o justificava, afinal, ela usava uma “saia curta demais” (a foto que acompanha a matéria, no entanto, permite-nos pôr em dúvida a adjetivação “curta demais”). Caso não quisesse assumir como sua a opinião alheia, o redator poderia ter dito “uma saia que foi considerada curta demais”. Vejamos uma sugestão:
Em 20 de junho, uma advogada foi barrada na portaria do prédio da Justiça Federal em Porto Velho (RO) porque usava uma saia que foi considerada curta demais. A comissão julgadora dos trajes consistiu em dois funcionários da segurança, que interpretaram a norma em vigor na época: era proibido entrar no local com shorts, bermudas ou vestidos e saias 15 centímetros ou mais acima dos joelhos.