“Esvair-se” e posição do pronome átono

GRAMATICAIS. No fragmento que analisamos hoje, um articulista falava sobre os célebres encontros “às cegas”, que, segundo ele, não estão sujeitos ao fracasso quando os envolvidos estabelecem “conexão legítima” antes do primeiro cara a cara. O que nos interessa aqui é o verbo empregado, “esvair-se”, ou seja, “dissipar-se”. Vejamos.

Conhecer e receber alguém romanticamente, sem que haja contato visual, até pode embutir um risco de fracasso, mas que, seguramente, esvaia-se muito com o nível de conexão legítima que se estabeleça antes do cara a cara.

Como está usado em oposição a “pode embutir” (presente do indicativo), “esvair” deveria estar também conjugado nesse tempo (pode embutir um risco, que se esvai). Além do tempo verbal, é preciso observar mais duas coisas: uma delas é a posição do pronome átono (“se”) e a outra é a posição do pronome relativo “que”, de “mas que”. 

Tanto o pronome relativo (“que”) como o advérbio (“seguramente”) são fatores de próclise. Mesmo estando o advérbio entre vírgulas (não obrigatórias), o “que” continua atraindo o pronome átono (“que, seguramente, se esvai” ou “que seguramente se esvai”).

O outro problema diz respeito à clareza. O pronome relativo “que” se refere a “risco de fracasso” (é o risco de fracasso que se esvai, certo?), portanto o ideal é que estivesse imediatamente depois de “risco de fracasso”. Como fazer isso e, ao mesmo tempo, usar a conjunção adversativa “mas”? Com a adversativa “mas”, de fato, é impossível, mas com as outras conjunções do mesmo tipo isso é perfeitamente viável. Veja a sugestão abaixo:

Conhecer e receber alguém romanticamente, sem que haja contato visual, até pode embutir um risco de fracasso, que, no entanto, seguramente se esvai com o nível de conexão legítima que se estabeleça antes do cara a cara.

Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

Um comentário em ““Esvair-se” e posição do pronome átono

  1. Olá, prezada professora Thaís.

    Obrigado por ir “desmatando minha ignorância”. Essas sutilezas da língua é que nos pegam no contrapé.

    Abraço

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