Homicídio, feminicídio, genocídio

GRAMATICAIS. SEMÂNTICA. As três palavras acima têm a mesma terminação, portanto é muito provável que haja algo de comum entre elas, certo? O elemento “-cídio” indica a ação de quem mata ou o resultado dessa ação.

“Homicídio” é, portanto, o ato de provocar a destruição da vida de um homem, entendido aqui como ser humano, não apenas como pessoa do sexo masculino. Quando dizemos, por exemplo, que “todo homem é mortal”, estamos falando de toda a humanidade, de todos os seres humanos.

O termo “feminicídio” é recente na língua portuguesa (datado de 2012, segundo o dicionário Houaiss) e, embora seja composto de elementos latinos, tem origem na língua inglesa, que, mesmo não sendo oriunda do latim, deste recebeu influência.

A palavra denomina os crimes praticados contra mulheres por discriminação de gênero, entre os quais se incluem aqueles ocorridos como consequência de violência doméstica. O reconhecimento de que mulheres são agredidas sistematicamente por seus próprios companheiros ou namorados, muitas vezes chegando a perder a vida, trouxe a nova tipificação criminal e com ela a nova palavra.

No Direito, o feminicídio é definido como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio, que figura, no Brasil, no rol dos crimes hediondos. Nem todo assassinato de mulher é feminicídio. Para que assim seja considerado, é necessário determinar as circunstâncias e motivações do crime.

Na língua portuguesa, já existia o termo “uxoricídio”, que denomina o assassínio de uma mulher por seu marido (“uxori-“, em latim, quer dizer “esposa”), mas “feminicídio” , além de chegar pelo inglês por influência de autores norte-americanos que trataram do tema, é mais abrangente, incluindo qualquer mulher cujo assassinato se dê por discriminação de gênero, não sendo o ato necessariamente perpetrado pelo seu marido.

“Genocídio”, por sua vez, é o termo que denomina o extermínio deliberado, que pode ser total ou parcial, de uma comunidade, grupo étnico ou religioso. Essa palavra surgiu para nomear a matança de judeus na Segunda Guerra Mundial pelo regime nazista de Adolf Hitler.

Termos novos (ou neologismos) surgem para nomear novos objetos, fatos ou conceitos. Às vezes, os fatos não são propriamente novos, como é o caso do extermínio dos indígenas no Brasil no período da colonização e da violência específica contra a mulher.

Ocorre, porém, que os historiadores reinterpretam os fatos e, assim, lançam mão de novos conceitos para explicá-los. A palavra “genocídio”, que surgiu em 1945, no âmbito da Segunda Guerra Mundial, hoje é usada também para aludir a vários episódios da história, inclusive a destruição dos povos originários do Brasil, cujos remanescentes ainda lutam pela sobrevivência em condições adversas.

A violência doméstica, infelizmente, não é tão recente quanto a palavra “feminicídio” nem quanto a lei que pune esse tipo de crime, a qual data de 2015 (governo Dilma Rousseff). Os fatos eram, no entanto, invisibilizados, não noticiados. A palavra surge quando a luta das mulheres atinge certo nível de visibilidade na sociedade, e seu uso reforça a existência do problema e a necessidade de enfrentá-lo coletivamente.

Nosso objetivo aqui é tratar das palavras, mas, como se vê, é impossível falar delas sem tratar daquilo que nomeiam. Voltemos, pois, a alguns aspectos formais que podem ser úteis para a compreensão do tema.

A pessoa que comete um homicídio é chamada de “homicida”. Note que o sufixo “-cida”, em si, significa “aquele (ou aquilo) que mata”. Pensando nisso, fica fácil entender o significado de “formicida” ou de “inseticida”, certo?

Existe uma correlação entre os sufixos “-cídio” (ação de matar) e “-cida” (agente), estando o primeiro ligado aos substantivos abstratos que nomeiam ações (homicídio, feminicídio, genocídio, infanticídio, regicídio, parricídio, matricídio, filicídio, suicídio) e o segundo ao elemento que pratica essas ações (homicida, feminicida, genocida, infanticida, regicida, parricida, matricida, filicida, suicida, formicida, inseticida).

Se “formicida” (o que mata formigas) e “inseticida” (o que mata insetos) são tipos de veneno, os demais, referentes a pessoas, estão associados a algum tipo de crime: o infanticida é aquele que mata crianças, o regicida mata o rei, o parricida mata o pai, o matricida mata a mãe, o filicida mata o filho; o suicida, como sabemos, mata a si próprio (“sui”, em latim, quer dizer o mesmo que “se”, “si mesmo”).

Conhecendo o significado de sufixos, como esses que aqui abordamos, é possível criar novas palavras e compreender de imediato aquelas que vão aparecendo. O termo “generocídio” (do inglês “gendercide”), que ainda não está nos dicionários de língua portuguesa, já vem sendo usado na internet, desta vez para denominar o assassinato de pessoas por seu gênero (nesse caso, não só homens e mulheres, mas pessoas transgênero ou não binárias).

Todos os termos terminados em “-cídio” são masculinos (o genocídio, o feminicídio, o suicídio); os terminados em “-cida”, quando referentes a pessoas, podem ser masculinos ou femininos (o homicida/ a homicida) e, quando referentes a agentes não humanos, ficam no gênero masculino (o inseticida).

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Publicado por Thais Nicoleti

Thaís Nicoleti é formada em português e linguística pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e licenciada pela Faculdade de Educação da mesma universidade.

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